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Era vazio. Eu estava inquieto.

Afundei em tentativas de ser feliz por um dia. Faltavam objetivos.

Era vazio. Eu estava ainda mais inquieto.

Não existiam motivações maiores, nem desejos maiores, só buscar por buscar, felicidade por felicidade, viver por viver.

Era vazio. E a inquietude inchava e crescia, tomava forma, prestes a estourar. Eu me encolhia, abraçado com meus passados, assustado e preguiçoso, com medo de deixar o tempo agir sobre mim.

O futuro não é um inimigo e, enquanto nada dele se constrói, permanece neutro. Ele só está em aguardo de que se relacionem e comprometam com ele e tenta, algumas vezes violentamente, nos puxar para enfim conhecê-lo. E a inquietude explodiu, fazendo seu devido estrago para acelerar este encontro.

Nada mais dava prazer. Repetir momentos me sujava de depressão. Revisitar lugares onde antes eu sorria agora levava a dor ou indiferença. Eram só lugares e risadas do passado. Eu afundei em tristeza e niilismo. Não era culpa dos momentos felizes antigos, nem das pessoas presentes neles, nem dos lugares onde aconteceram. Riso que virou choro e choro que secou, deixando nada, só pó. Nenhum culpado além de mim.

A tristeza, neste nível, desta forma, foi também uma novidade. Nunca antes na vida tive que lidar com um desafio similar. Afundei em nada, em desconhecida tristeza, em vazio.

Talvez eu nunca voltasse. Talvez eu morresse triste, ainda sendo escravo de momentos. Ou até do passado enfim desapegasse e simplesmente flutuasse no breu, sem nada, empurrando a existência com a barriga até receber um abraço sem carinho do fim.

Sei que certamente algum dia eu sentirei novamente tristeza. Se for menor do que a desta ocasião, serei capaz de com ela lidar. Se for maior, talvez novamente tenha cheiros de novidade e estoure outra época de mim, pelo simples desafio de ser transposta, seja o combustível um vindouro tédio ou uma epifania. Exceto a morte, nada mais é irreparável.

A inquietude não permite acomodação ou preguiça que sejam infinitas, eternas. Achei algo belo da inédita tristeza desgraçada. O tesouro enterrado, de encontrar algo bom depois de um mergulho, estava lá também, como sempre está.

Tenho novos belos momentos. Estou feliz, sabiam? E não é pelo passado. É por agora. Estou feliz enquanto estou sentado escrevendo isso.

Talvez daqui três anos não seja este o momento desta época que eu vá saudoso lembrar quando estiver preguiçoso demais para procurar momentos novos. Mas certamente será um momento destas últimas semanas ou talvez das próximas poucas semanas que virão.

Porque o contexto de sofrimento me invadiu e foi aos poucos inchando, tal um câncer ou um tumor, e explodiu no término da minha escravidão.

Não sou mais um escravo de momentos. Estou liberto.

Talvez no futuro eu me escravize de novo. Talvez em algum dia venha a existir algum lago de horror no qual mergulhe e não encontre nada belo; então eu morrerei afogado.

Mas não ainda.

Existem conselhos bobos que as pessoas costumam dar umas para as outras. Eu discordo de boa parte deles, quase que literalmente metade. Vejamos.

Se você está apegado com lembranças, se você é um escravo de momentos como fui, solte, permita-se deixar ir, não fique apenas tentando desacelerar seu processo porque nostalgia melancólica controlada ainda é zona de conforto. E esta é a metade na qual discordo da maioria. Deixe o passado morrer, cutuque seu apego e então seu tumor de recordações explodirá. Não tenha autopiedade pela sua coleção de passados. Não protele ou tenha medo, pois talvez o tempo te mate antes que consiga atingir o ponto de virada.

Mas quando tudo explodir, se alegre. Pois estará liberto. Você recolherá os cacos, levantará e seguirá. Iniciará outro ciclo. Outra vez.

Se você está numa boa época, aproveite, mas não coloque nenhum instante da sua vida em pedestal, não endeuse um dia ou dois. Tudo pode ser belo. Tudo há de ser interpretado. E o belo dia que é herói hoje pode ser o vilão de amanhã, caso engrandecido demais, caso receba muito poder, caso se teime em comparar ao resto da vida. Se antes eu via como vilão e temia o futuro, hoje tenho uma relação de temor similar com as tentações do passado. Esqueça.

Conheça o novo. Aventure-se. Não se acomode em rever os mesmos filmes e ouvir as mesmas músicas, em fazer as mesmas coisas. Tente nunca reler este meu texto, ou releia raramente.

Explore.

E, afinal, acredito que este seja o verbo chave. "Explore".

Ache o novo. Seja novo, de novo. Faça sua próxima aventura. Encontre seu novo desafio, a sua nova penitência que irá te guiar até seu próximo momento feliz.

E, principalmente, pare de dar tanta importância para os momentos. Eles sozinhos não são nada. Momentos sozinhos são vazios, tanto quanto a mais bela cena do mais belo filme, por si e desacompanhada do resto, é só uma cena e uma cena somente. Um filme se vale por ser a totalidade de um filme, não por suas cenas. Um livro vale por ser um livro, não por seus capítulos. Qualquer história vale pela narrativa geral, não por suas passagens específicas;

Uma vida humana é assimilada e interpretada tal uma história, uma narrativa; uma linha. Uma vida vale por ser uma vida, não por seus momentos.

Não se acomode, não seja preguiçoso. Não se deixe dominar pelo medo e o repúdio do amanhã. Vá, vá, vá, até deixar de ir. Você vai morrer. Mas pode viver uma meia-vida e passar o resto dela remoendo este único trecho; pode também viver uma vida inteira, sem se escravizar por pequenos pedaços dela, e mesmo assim ter tanto carinho pelo passado quanto anseios pelo futuro.

Vamos, vamos. Explore. Encontre. Faça algo novo!

Mergulhe. Talvez você ache algo belo, talvez não. Mas a incerteza por si é parte da beleza. A possibilidade de fracasso traz mais alegrias para o sucesso. A certeza é cômoda, é simples, é chata. Se ninguém pode garantir que dará certo, se existe medo envolvido, então vale a pena tentar. Vale a pena tentar viver, porque você nunca sabe se uma história será das tristes ou das felizes antes do "Fim". Se soubesse, não teria metade da graça. Ouça novas músicas, veja novos filmes, vá para novos lugares, encontre novas vontades e gostos, explore, leia novos livros, descubra, faça novos amigos, tente.

Encontre objetivos, vontades e desejos novos e se liberte dos objetivos, vontades e desejos já conquistados.

Esta não é uma história sobre felicidade.

É uma história sobre histórias.

Explore; Viva;

Mergulhe!

Escravo de MomentosOnde histórias criam vida. Descubra agora