Eu me sento e peço chopp. Nunca entendi direito porque chamam aeroportos de "não-lugares". Aeroportos são os lugares mais chatos mundo, e isso em si já lhes dá uma dimensão geográfica ou sentimental. Por respeito ao líquido, brindei no ar, mesmo estando sozinho. O coroa sentado ao meu lado no balcão entendeu isso como convite. E brindou comigo. Víamos o DVD de um tal Mateus Fernandes - que sustenta o epíteto de "O Domador de Patricinhas". Não, nunca o vi mais gordo - apesar daquela dançarina da direita me lembrar a Juliete Binoche naquela trilogia das cores do Kieslowski. Também não lembro em qual dos três filmes do Kieslowski ela apareceu, mas com certeza não foi o do gordinho brocha. A despeito da minha cara de poucos amigos e de meu falso interesse olhando a TV (e virando de costas pra ele), meu companheiro etílico insistiu em um tópico polêmico, que mais parece um recurso da função fática da linguagem utilizada em elevadores e consultórios dentários mundo afora: falar sobre o tempo.
- Tá um calorão, né?
Levando em conta apenas seus profundos conhecimentos sobre o tempo no verão do Nordeste brasileiro, arriscaria dizer que ele era esquimó ou canadense, não fosse seu sotaque baiano.
- Humrmrm - murmurei eu consentindo à análise do meteorologista de quiosque de chopp de sala de embarque de aeroporto.
- Mas disseram que depois melhora.
Quem "disseram"? A julgar pelo seu descuido em citar as fontes por certo ele não era jornalista, historiador ou muito menos homem do tempo do noticiário.
- Eu mexo com seguros.
Oh, céus.
- Você sabe quais são as chances de você estar aqui, num dia como esse de calor e, de repente, paf?
"Paf"?! Que tipo de onomatopéia é esta? De repente você está aqui e de repente leva um sopapo de um ornitorrinco?!
- Nem imagino.
- São muitas. As pessoas nem acreditariam.
Um sopapo de ornitorrinco no aeroporto de Salvador. Não, é demais até para sete chopes.
- Conheci um cara assim, mais ou menos como você, tava aqui tomando uma comigo e... paf! Foi lá pras bandas de Cachoeira. Eu não mexia com seguro ainda.
Mais ou menos como eu como?! Mais ou menos barrigudo, mais ou menos cabeludo, mais ou menos querendo ficar em paz tomando seu chopp esperando a hora de seu vôo? Aquele cara era cheio de enigmas.
- Está na minha hora. Foi um prazer.
- Aqui meu cartão. Faça um seguro. De repente você tá por aí e...
- Paf. Claro!
Lembrarei disso na aterrissagem ou antes de cruzar com um ornitorrinco na fila do check-in.
- Até!
- Até.
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Aeroporto
Krótkie OpowiadaniaEu me sento e peço chopp. Nunca entendi direito porque chamam aeroportos de "não-lugares". Aeroportos são os lugares mais chatos mundo, e isso em si já lhes dá uma dimensão geográfica ou sentimental.