V
Era noite alta e clara, dois dias depois, quando ele bateu na porta.
-Quem é? – perguntou a voz do outro lado da porta de madeira. Uma voz envelhecida e irritante.
O marginal coçou o rosto e olhou para os pés, como normalmente fazia, num tique nervoso sutil, quando estava enganando alguém que suspeitava ser mais esperto do que ele próprio.
-É da parte do doutor Rodrigo... ele tem uma coisa pra senhora.
A porta se abriu, lá estava a velha, sorridente e ansiosa. Mas sua expressão mudou instantaneamente. Antes do tiro, ela soube.
Reconhecia o homem diante dela. A mesma jaqueta preta. O mesmo tipo físico. Até mesmo o revólver era igual. O incidente lhe fora descrito com detalhes por Rodrigo, e a velha formara uma imagem mental muito clara do assassinato de Julia, o que fora necessário para a performance.
Clara demais. Até o rosto que imaginara por trás da máscara de náilon era o mesmo.
Havia uma refinada ironia naquela súbita compreensão, mas ela não teve tempo para meditar a respeito, ainda que a percebesse.
Não houve tempo pra gritar. O primeiro disparo foi no rosto. Depois o tambor foi esvaziado no corpo caído no chão. O assassino olhou para o cadáver por alguns instantes, para ter certeza. Depois se dirigiu para o seu carro. Um carrinho popular, discreto. Tratou de sair dali o mais rápido possível. O lugar era deserto, mas nunca se sabe.
Além disso, no meio daquele lugar deserto, diante de uma mulher que todos diziam ter parte com o demônio, mesmo o mais prático dos criminosos se sentia inquieto. Mesmo que a suposta bruxa, largada na soleira da porta, não fosse mais perigosa que um pedaço qualquer de carne.
Dirigiu até a cidade. Parou diante de um telefone público.
-Alô? Doutor Rodrigo? Tá feito. Entrega no lugar certo, dessa vez. Onde eu pego o que é meu? Ã-ham... Tá certo. Tá certo.
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A NECROMANTE
HorrorInconformado pela morte súbita de sua amada, um jovem empresário, aconselhado pelo irmão, busca se comunicar com ela através de uma suposta médium. Mas nem tudo é o que parece.