Assim que Sofia saiu da cozinha, Alexandra foi atrás. Não teve tempo de alcançá-la. Samuel foi muito mais rápido.
Álex sabia o que ele estava fazendo. O mesmo que, anos atrás, havia feito com ela.
– Isso só comprova o que eu já desconfiava: o quanto você é inocente e pura. Qualidades que muito me comovem e que eu julgo admiráveis, fundamentais para uma boa esposa.
Sentiu o corpo inteiro tremer, algo que nunca havia sentido... Um impulso desenfreado de pular sobre ele e... E o quê? Sequer conseguia pensar e nomear o que poderia... O que iria, mais uma vez, acontecer.
– Não precisa se preocupar, Alícia. Eu a respeito. Não pretendo lhe fazer mal, muito menos ofender sua virtude. Quero possuí-la de forma legítima, com as bênçãos do Senhor e de sua família.
Recuou até a porta da cozinha, bem devagar, quase em câmera lenta, para que eles não percebessem sua presença. Vergonhosamente refém da própria fraqueza. Dolorosamente consciente de que não possuía o necessário para defender a outra: libertar-se. Matar ou morrer.
– Assim sendo, gostaria de pedir a sua mão ao seu tio hoje depois do jantar. Espero que você não se oponha.
Fechou os olhos e tentou controlar a respiração acelerada. Inutilmente. Naquele instante, foi como se todo o peso do mundo caísse sobre ela outra vez. Como se afundasse. Engolindo, engolindo e engolindo... Sufocando novamente... Não adiantava, por mais que tentasse se livrar, ele a perseguia, encontrava e subjugava. Tocava, tomava... Violentava. Como e onde bem quisesse.
Estava indefesa, completamente impotente... Mais uma vez.
– Alícia?
A voz de Júlio, seguida do lampião que ele acendeu e ergueu, iluminando a cena que se desenrolava, fez Álex se refugiar dentro de casa. Como um rato se esgueirando por dentro das próprias paredes.
Mas não terminou ali. Esbarrou em Tia Laila assim que entrou na cozinha. Quase a derrubou. Se não a tivesse segurado, a pobre senhora teria caído. Óbvio que ela se assustou e estranhou a ausência da precisão no escuro que Álex sempre tinha, quase como se conseguisse enxergar além do que os olhos viam.
Tia Laila acendeu o lampião do centro da mesa antes de se virar preocupadíssima para a sobrinha:
– Álex... Aconteceu alguma coisa, filha?
Antes que pudesse responder ou sumir dali como pretendia, ele surgiu:
– Boa jornada!
Alexandra não se moveu, apenas tentou não deixar perceptível... O arrepio que lhe subiu pela espinha e a forma como todos os músculos do se corpo se contraíram.
Rapidamente, Tia Laila se adiantou, colocando-se na frente de Álex e chamando a atenção de Samuel para si mesma:
– Reverendo! A que devemos a honra da sua visita?
Durante todo o resto que se seguiu, Alexandra concentrou-se em ser capaz de permanecer de cabeça abaixada, calada, encolhida e imóvel. Abrigada dentro da própria sombra. Como se não estivesse ali.
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Deitada no sofá de olhos fechados, Máira deixou escapar um suspiro alto, fazendo com que Hugo imediatamente se aproximasse:
– Está sentindo dor?
A primeira reação dela foi sorrir. Pois, se realmente buscasse dentro de si, a resposta seria: "Sempre".
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O suave tom do abismo - Reflexão - Livro 2
General FictionNa trilogia "O suave tom do abismo", Diedra Roiz nos conduz através do frio e da escuridão de um futuro distópico. Um mundo em que a ausência de luz é cotidiana e o sol não é nada além de descrições em livros proibidos, onde enxergar além do que a p...