Capítulo 0 - O reino de outrora

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Há histórias de finais felizes e histórias agridoces que não passam nada além do pesar das pessoas. O menino sentado à escada pensou no quão azarado era de sua história se encaixar na segunda opção.

Por tanto tempo fora apenas aquele menino que sonhava pela primeira opção, e até sua mãe também seguia da mesma ideia. No cenário em que estava, rodeado de altas paredes decoradas com quadros e mais quadros de aristocratas iluminados por candelabros dourados do mais rico ouro, era até fácil pensar que era mesmo o fato. Aquele fora o ganho mais satisfatório de sua pequena vida.

Mas o menino chorava, e sua mãe jazia em seus braços.

Foi no início dos seus seis anos de idade que ele começou a pensar em finais felizes, quando sua mãe se encheu de alegria ao casar-se com o homem que se apaixonara. O menino sabia que não era seu pai, apesar de tudo, mas ficou feliz pela mãe. Quando foi no caixão do pai, prometeu que nunca o trocaria, mas tentaria ser feliz como a mãe parecia ser com o novo padrasto. Sua mãe se orgulhava a cada vez que o menino mencionava isso em voz alta. Foi depois disso que se mudaram para a mais alta casa do Oeste. Cheia de torres altas e janelas adornadas com desenhos que pouco entendia.

Do dia em que espiou pela janela ele pouco lembrava. Mas recordava seu padrasto conversando com um homem engravatado que o seguia.

— Vocês precisam preparar tudo logo. Nossa família corre um grande risco — ele dissera.

Mas lembrava-se do quanto aquilo o deixara com medo. Achou que algo aconteceria contra eles. Seu padrasto abraçava sua mãe com mais costume, ele percebeu, como se a consolasse. Até mesmo seus meios-irmãos mais velhos pareciam estar com medo de algo. Demorou meses para esquecer-se de tudo isso. O padrasto mesmo o aconselhava a esquecer, dizendo que nada aconteceria; ele fizera isso dando-lhe tapinhas no ombro e afagos ao cabelo, tentando ser legal. E o menino acreditou. A verdade era que o menino de nada entendia. Não sabia com o que seu padrasto trabalhava, ou sequer com o que sua mãe trabalhava. Ou mesmo se ambos trabalhavam. Não tinha idade para isso, afinal. E por conta disso deixou-se acreditar.

Era início da tarde quando ele brincava pela sala de estar. A mobília de madeira esculpida e os carpetes que vinham de longe faziam a paisagem para suas máquinas de imaginação atuarem enquanto sua mãe observava do alto da grande escada central. As largas janelas de vidro deixavam muita luz entrar e por isso aquele era o lugar preferido das diversões do menino. Para ele, era o lugar mais feliz do mundo.

Ele estava pulando do sofá para o tapete, fingindo ser uma das pedras imaginárias de proteção contra as fumegantes lavas que cobriam o espaço da sala, quando aconteceu.

Sons estridentes vieram do lado de fora e os vidros das janelas se estilhaçaram com violência. Ele se assustou rapidamente e manteve-se deitado junto ao tapete enquanto ouvia sua mãe gritar seu nome ao descer as escadas em desespero. Os tiros continuaram por quase meia hora, acertando as tapeçarias, os quadros e os sofás da grande sala. Para ele, demorou ainda mais tempo após acabar, mantendo-se com a cabeça entre as mãos para abafar os soluços do choro. Mas quando teve coragem para olhar, desejou não ter feito.

Sua mãe o encarava da escada com olhos arregalados e vazios, caída de costas com seu vestido perfurado e banhado em sangue, as mãos posicionadas em uma mórbida tentativa de alcança-lo. O menino gritou por sua mãe e correu o mais rápido que pôde. Seu coração palpitava e um frio subia do estômago para o peito.

Definitivamente aquele não era o final feliz que esperava. Só restava a ele chorar e segurar o pesado corpo junto ao seu na inútil tentativa de reanimá-la.

Foi só treze anos depois, quando ele finalmenteconseguiu sair da grande casa, que recuperou as forças para pensar novamente emum final feliz. Foi quando viu a garota de branco. Foi quando abriu a mentepara o Acta, e viu tudo que podia fazer.

Quando ganhou poderes para criarfinais.


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Projeto Acta: O Soldado do Terno NegroOnde histórias criam vida. Descubra agora