Parte 4

100 6 0
                                    

Não era possível. Aquela ardência em sua perna tornava quase impossível mesmo a automática tarefa de respirar. Por que Deus aquilo estava acontecendo era a pergunta ininterrupta de sua mente. Nenhuma resposta dos céus. Só a imagem de Carlos em seu momento de júbilo. Carlos havia ido à cozinha. Trouxe gelo e agora passava carinhosamente sobre o ferimento na coxa de Marta. A pedra em sua mão cobria e recobria continuamente a queimadura, uma estrela de cinco pontas agora habitava a grossa coxa de Marta - e para sempre, possivelmente. Era uma estrela quase perfeitamente desenhada. Carlos fizera algumas milhares ao longo da vida. Aquilo realmente o aliviava. Marta entendia cada vez menos o que se passava. Seus olhos estavam secos. Não havia mais lágrimas para chorar.

Carlos ligou o vibrador e o posicionou levemente contra o clitóris de sua posse momentânea. Marta não queria sentir nada bom, mas não era possível resistir. Aquilo era incrivelmente bom. Não queria que fosse, mas assim era. Em pouco tempo, com o gelo sendo passado em sua coxa e com aquela vibração contínua, sentiu-se melhor, elevou-se daquilo tudo por alguns segundos e teve mais um orgasmo fabuloso. Mais um orgasmo memorável. Pena que aquelas memórias se perderiam em tão pouco tempo. Mas era um grand finale de qualquer forma. Não exatamente como sonhado um dia. Contudo, nada em sua vida medíocre poderia superar aquilo.

Um diretor produzindo sua obra-prima. Aquele homem se sentia exatamente assim. Estava executando o filme que assistira por anos, por décadas, em sua mente distorcida. Marta estava em um semi-cochilo pós-orgástico, exatamente como deveria ser. Mas seu passaporte para o espaço precisava de mais estrelas. Ela deveria brilhar muito. Conduzi-lo ao espaço requereria bastante mais esforço daquela dama do lotação aprisionada.

- Se você não se mexer isso vai ser prazerosa ao invés de doloroso. Nós estamos viajando. É só isso. - Carlos sussurrou no ouvido de Marta. Empurrou seu rosto para o lado esquerdo, deixando-a com o perfil direito virado para cima. A ponta afiada do bisturi começava a gravar a imagem de mais uma estrela na face de Marta. No primeiro corte, travou os dentes o mais que pôde. Sequer percebeu que ferira sua boca por dentro. Agora, o gosto de seu sangue a embriagava. Respirar nunca fora tão difícil. Um rio nascia de seus olhos. Um gemido contínuo seguiu enquanto o artista trabalhava. Marta já não se debatia mais. Fim da obra, mas dessa vez o gelo não veio. Ao invés disso, seu algoz cobriu de sal cada parte daqueles dez cortes que compunham aquela estrela. A sensação de dor era lancinante. Não sabia se maior do que a que tivera minutos atrás. Só sabia que era muito intensa. Mais do que podia suportar. Mais do que fizera por merecer, mesmo se só se colocassem seus atos ruins em uma balança, ignorando simplesmente tudo de com que houvera feito até aquele dia.

Carlos se deitou ao lado de Marta com a cabeça sobre seu braço direito e começou a olhar para o teto. O olhar vago. As imagens eram borradas mas havia algo de conhecido ali. Estrelas imaginárias forravam seu teto agora. A respiração ofegante e chorosa de Marta era familiar. Ele não se lembrava. Era a mesma de sua mãe após cada um dos estupros que era obrigado a presenciar. Na verdade, ele só ouvia aquilo tudo com a cabeça sob dois travesseiros. Não adiantava muito, no entanto. As imagens moravam em sua mente, mesmo com toda força que fizesse para fechar os olhos. Um pesadelo sem fim. Quem no mundo castigaria uma criança passando sal em seus olhos a não ser aquele homem que os sustentava.

A roda do ciclo vicioso girava agora sobre Marta. Lentamente, por sinal. Carlos puxou bastante ar, se virou sobre ela e começou a lhe lamber e chupar. Ficou muitos e muitos minutos - infinitos para ambos - com sua língua incitando, excitando, enlouquecendo aqueles mamilos intumescidos. Não havia como negar a satisfação do corpo de Marta, independentemente da dor que a corroía. Havia um duelo de instintos dentro daquele corpo atado àquela cama. O instinto do prazer absoluto aniquilava o da autopreservação naquele momento. Marta se entregava novamente por inteira para Carlos. Ele ficou de pé e lentamente fez descer seu jeans. A cueca acompanhou a calça e agora Marta se deslumbrava com visão do membro ereto do seu carrasco. Era tudo que ela esperava quando o sentiu por trás dela no ônibus. Por mais absurdo e sem sentido que soasse, ela ainda esperava por aquilo dentro dela.

Dessa vez não houve mais delongas. Carlos voltou-se para cima de Marta. Penetrou-a sem ter dela nenhuma resistência. Passou os braços por baixo dos dela e agarrou seus cabelos de ambos os lados. Começou um movimento de entra e sai frenético. Lambia os cortes do rosto dela. Aquele sal temperava sua língua e o enlouquecia ainda mais. Acelerava. Em menos de cinco minutos, ela estava de novo em êxtase irrestrito. Seu gozo veio ainda mais forte. Sua respiração estritamente nasal era trôpega. Seu corpo queimava, tremia. Fechou os olhos e relaxou. Cinco minutos mais e sua vagina estava repleta do sêmen daquele homem que a destruía aos poucos e pelo qual não conseguia nutrir nenhum tipo de ódio. Ao contrário, estava apaixonada. De uma forma estranha, diferente, real. Era um misto de desejo e gratidão pelo momento proporcionado. Em sua cabeça ela começou a trata-lo por Meu Homem, já que não sabia o nome dele. Carlos deixou-se desabar sobre Marta. Ria baixo. Entredentes. Mas algumas lágrimas vindas de seus olhos pingavam sobre a cama. Por um breve momento, seu lado consciente surgiu. Achava aquilo completamente descabido; imotivado.

Ficou ali pesando seus noventa quilos sobre aquela mulher, que não conseguia esconder sua felicidade, por mais dez, quinze minutos. Foi ao banheiro. Seu líquido agora escorria de dentro de Marta para a cama.

Aquele momento havia feito Carlos mudar seus planos. Na verdade, no segundo do gozo, a imagem de sua mãe e padrasto mortos veio à sua mente. Eles morreram em um acidente de ônibus do qual ele escapou. Aquela imagem sempre existiu em algum lugar de sua cabeça, mas não se manifestava na realidade. Eles nunca haviam morrido de fato até aquele momento. Ele agora estava satisfeito além de onde podia supor. Estava liberto. Mas em sua cabeça, sua liberdade total ainda não havia chegado. Decidira ignorar várias partes do seu filme real e pré-concebido e avançar para o final. Um momento onde sua vítima deveria mudar de papel.

Continua...

Vontades OcultasOnde histórias criam vida. Descubra agora