Capítulo 1 - "Como se fosse um vício - Parte I"

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QUANDO UMA PESSOA AINDA É criança ou já está na flor de sua adolescência, sempre há aquela maldita dúvida sobre o que ela gostaria de ser na sua idade adulta. Alguns dizem que querem ser cantor, atriz, professor, quando na verdade ainda não sabem o que quer. Mas eu não. Desde quando comecei a me entender por gente, toda vez que olhava para as minhas mãos, eu sempre soube o que eu queria ser e que seriam elas que iriam me definir.

Olhar para sala de cirurgia através da janela de vidro enorme sempre dava uma sensação maravilhosa alastrando-se pelo meu corpo. Um misto de emoção e adrenalina corria pelas minhas veias só de saber que em poucos minutos eu estaria fazendo o que mais amava: cirurgia. Eu estudei para isso, e era isso que eu fazia. Estar ali já não era mais nenhuma novidade para mim; a razão pela qual eu segurava um bisturi era muito mais do que fazer o meu trabalho, e sim curar as pessoas, era como um senso de dever e respeito por um bem precioso, uma vida. Essa era a principal razão.

Quando decidi me tornar uma cirurgiã, eu sempre soube o que estaria por vir: pessoas baleadas, feridas grandes e feias, sangue, sangue e muito sangue. Mas eu não me importava, pois quanto mais cirurgias mais experiência eu adquiria. E isso meio que acabou se tornando um vício para mim. Chamavam-me até de louca, mas a louca aqui foi a melhor interna do hospital onde fiz o meu estágio, tanto que quando me tornei uma residente, me emprestaram para o maior e melhor Centro Médico de Nova York, o Private Health. Isso mesmo, eu era uma médica emprestada! MAS, antes disso tudo acontecer, a minha paixão pela Cirurgia Cardio-torácica surgiu muito antes da minha residência. Mesmo depois de tanto tempo, as lembranças permanecem frescas na minha mente. Então, permitam-me vos contar.

Estava chuvoso naquele dia. Eu e um novo interno, com a ajuda de um enfermeiro, estávamos levando um rapaz para a sala de cirurgia, este estava com uma bala alojada no peito e precisava ser operado imediatamente. Só que, quando estávamos chegando ao andar das salas de operação, um relâmpago atingiu a subestação do hospital e tivemos que trabalhar com a luz de emergência. No entanto, o elevador não funcionava. Estávamos presos. E se isso já não bastasse, os sinais vitais do paciente começaram a cair, e eu sabia que ele morreria se não fizéssemos nada. Eu comecei a ficar um pouco preocupada, já havia assistido e participado de algumas cirurgias cardio-torácicas e cardiovasculares, incluindo dissecção aórtica, transplante cardíaco, pneumonectomia, revascularização miocárdica e muitas outras, mas nunca havia lidado com uma sozinha. Na verdade eu pensava que aquela não era uma especialidade que eu queria seguir, mal sabia eu que estava completamente enganada. A verdade é que você nunca sabe do que é capaz até se meter na situação.

Os sinais vitais do paciente continuavam caindo, e mesmo estando preocupada por dentro, eu tive que manter a calma e fazer com que o outro interno e o enfermeiro que estavam comigo ficassem calmos também. Liguei para o cirurgião cardio-torácico responsável pela cirurgia do rapaz e lhe relatei a situação. Como o seu estado continuava a piorar, nós não podíamos simplesmente ficar e assistir ele morrer bem diante de nossos olhos. Então a decisão que tomamos, foi uma decisão necessária para a situação de emergência, e como eu já havia participado desse tipo de cirurgia, eu fui ordenada a executar aquela.

O enfermeiro tirou debaixo da maca um conjunto de intubação, um kit de primeiros socorros, onde continha alguns instrumentos cirúrgicos, e me entregou. E ali estava eu, prestes a descobrir definitivamente quem eu era, — não que eu não soubesse, afinal, eu só sabia que era uma cirurgiã, mas precisava de uma área para me especializar.

Assim que preparamos os primeiros procedimentos, o Dr. Marson — cirurgião responsável — me passou as últimas instruções pelo o celular. Eu estava nervosa, com as mãos tremulas e suadas. Realizar uma cirurgia sozinha era novidade para mim, ainda mais em um elevador. Foi também a primeira vez que comecei a sentir uma adrenalina percorrendo pelo o meu corpo, e essa sensação era muito boa, nunca havia sentido algo parecido antes, eu estava adorando.

Resistindo às Tentações - COMPLETOOnde histórias criam vida. Descubra agora