Em pedaços e um novo abismo

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Capitulo 3                   "Em pedaços e um novo abismo"                         A maior parte da noite fiquei acordado ouvindo meus pais discutirem como sempre e por nada, e pensando nas coisas que eu fiz e no que aconteceu no caminho de volta pra casa. Minha cabeça estava a mil. Mas deitado naquela cama e olhando para o teto tediosamente escuro me veio à cabeça pensamentos assombrosos, tanto quanto a noite sempre foi pra mim. Lembrei da tal pessoa que eu tinha visto na estrada e como aquela situação tinha sido estranha. Eu queria entender, mas estava com medo. Não sei do que exatamente, mas eu estava. Então me forcei a esquecer aquilo, eu sabia que era coisa a minha cabeça. Fui na cozinha procurar algum comprimido que me fizesse dormir, pois com todos os pensamentos e aqueles gritos de minha mãe que ecoava pelas paredes da casa, era quase impossível conseguir dormir. Minha cabeça encontrava-se num estado totalmente perturbador. Tinha um turbilhão de coisas embaralhando meus pensamentos, e eu precisava descansar. Encontrei uma cartela de comprimidos no armário e mesmo sem saber se aquilo estava bom para ser tomado, joguei-o garganta abaixo. Subi aquela cansativa escada, pisando lentamente em cada degrau e sentindo meu corpo se cansar. De volta ao meu quarto, deitei novamente naquela cama bagunçada, nem estava mais pensando coisas inúteis como a pouco, o remédio enfim começou a fazer efeito e não demorou muito até eu sentir o peso do mundo sob mim, meu corpo estava tão pesado e cansado que logo adormeci. Acordei com minha mãe gritando. Pensei que não fosse nada de tão grave, já que passou a madrugada fazendo isso, mas por motivos diferente. Ainda sonolento por causa do remédio levantei e fui cambaleando até seu quarto. Ela estava no chão com meu pai adormecido em seu colo. Mil coisas voltou a passar na minha cabeça, era uma mistura de medo e arrependimento, não sei explicar, mas sabia que não era bom. Minha mãe pedia para eu ligar para a polícia, ambulância, sei lá o que, mas não conseguia me mover, eu estava atordoado. Ela então levantou e pegou o telefone e ligou desesperadamente para a polícia e eu continuei ali, parado, sem nem saber o que sentir, muito menos o que fazer. Mesmo que eles brigassem todos os dias e não quisessem mais ficar juntos, qualquer coisa que acontecesse um ao outro, ambos sofreriam muito e eu percebi o quanto minha mãe estava assustada e eu estava tão confuso quanto ela... Sentei no chão e olhei fixamente para ele ali, adormecido. Um nó na garganta e uma vontade absurda de chorar tomaram conta de mim. Ele nem sempre foi uma pessoa ruim, tivemos nossos dias de glória juntos, principalmente quando eu era criança. Naquela época, ele fora meu herói, talvez ainda fosse, só que ele não saberia. As lágrimas começaram a rolar. Mesmo que eu o “odiasse”, não o ter mais por perto, partiria meu coração. Não consegui mais suportar a dor de vê-lo imóvel perto da cama, aquilo não podia ser possível. Ele deveria estar na praia com os amigos agora, ou indo trabalhar como fazia todo santo dia... Ou mesmo que estivesse gritando com a minha mãe, eu saberia que pelo menos ele estaria aqui, por mais um dia talvez. Ele deveria estar vivo... Ouvi sirenes e então percebi que a polícia havia chegado. Um policial entrou no quarto e me pegou pelo braço e me levou para fora. Me sentei nos degraus da escada e então outros policiais entraram na casa. Minha mãe estava apavorada, eu deveria estar consolando-a mas eu não sabia o que dizer, não queria fazer com que ela se sentisse pior. O mesmo policial que me levou para fora se aproximou e começou a questiona-la sobre o que tinha acontecido. - Senhora, eu preciso que você me explique o que aconteceu. – Pediu o policial. - Eu não sei... eu acordei e fui no banheiro, então ouvi um barulho e sai para ver o que era me deparei com ele caído no chão... – Falou minha mãe com a voz tremula. A ambulância chegou e com toda movimentação, notei o corpo do meu pai ser levado por eles. Sendo colocado dentro daquele veículo. Naquele momento eu percebi que definitivamente ele não voltaria mais. Nunca mais iria reclamar comigo por deixar a garrafa de água fora da geladeira, ou por chegar tarde em casa... Coisas que todo pai faz, e que me deixava muito irritado. Eu não teria mais. O tempo parou por um momento e eu me senti muito mal por tudo o que eu tinha feito anteriormente, toda a situação que eu criei, quando tentei tirar minha vida, enfim, todas as coisas que eu fizera que decepcionaram meu pai. Eu fui muito egoísta, não só com ele mas com todos e agora era tarde demais. Tudo o que eu fiz, foi apenas odiá-lo, simplesmente pelo fato dele brigar comigo por coisas inúteis. Meu pai se foi e eu nem tive a chance de pelo menos me desculpa ou de dizer, pelo menos uma única e provável última vez que o amava. As lágrimas desciam descontroladamente pelo meu rosto, seguida por soluços agoniantes. Eu estava à deriva de um novo abismo desconhecido. Eu estava em pedaços.

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