"É impossível enfrentar a realidade o tempo todo sem nenhum mecanismo de fuga."
(Sigmund Freud)
O alarme toca. São 4:30 da manhã, o uniforme está dobrado, calça, camisa, calcinha, sutiã. Minhas costas doem, pedindo para que eu fique em minha cama, que eu não vá para a escola, que desista da ideia de passar na USP, desista da ideia de sair, de deixar essa vida, de conseguir recomeçar, que eu desista da vida e tire-a de uma só vez.
E hoje é quarta-feira, dia 16 de março de 2016, é ainda o começo de um longo ano, um longo e último ano. Levanto-me empurrando as cobertas para o lado, ando até o banheiro e tomo banho, a água quente atenta-me para ficar, para me tornar como ela e sair pelo ralo, viajar para bem longe e nunca mais voltar. A alergia está corroendo aos poucos meus dedos anelares.
Onde já se viu ter alergia a lápis de cor?
Enrolo meu cabelo em uma toalha, cabelos que vinham até a metade de minhas costas, cabelos marrom-escuro, invejáveis de uma forma que para mim não era justificável. Eram simplesmente lisos, escorridos, finos, compridos, monótonos.
Tomo meu café da manhã, seco o cabelo, escovo os dentes, pego as chaves de casa, tiro o cadeado, pego a bolsa, meu fichário e vou a escola.
É em outra cidade, religiosa, algo que odeio e penso sinceramente ser o ápice do desespero humano. Ter fé em algo que não existe, submeter-se a palavras interpretadas de uma forma a cada século, uma "ciência" estupidamente cega. Em outras palavras, Deus não existe.
Se ele amasse os filhos, porque deixara criar a Guerra, a miséria, a morte, a doença, a hipocrisia? Que sadismo desmedido é esse?
Subo a rampa e dou de encontro ao meu fiel amigo, parecíamos namorados, mas éramos amigos inseparáveis. Nunca brigamos de verdade, e nosso laços eram de uma força extrema, isso porque nos conhecíamos à 2 anos apenas.
- Bom dia - diz ele com os braços abertos.
Abraço-o sem dizer nada, não por falta de educação, mas porque nem forças mais tenho para dizer algo. Ele me aperta e eu o aperto. Ele era aquela pessoa em que quando eu estivesse despedaçada, ele iria me abraçar, e todos os pedacinhos voltariam ao seu lugar.
As pessoas nos olhavam tentando entender o que realmente acontecia. Eu gostava de outro garoto o qual vamos chamar de Perspicácia, amigo do Admirador que também era meu amigo (e eu estou o abraçando agorinha). Não entendiam o porquê de tanta fidelidade e compromisso com meu amigo, não entendiam a aversão de Perspicácia em admitir o óbvio.
Ambos vivíamos em uma hipocrisia na qual ele criou.
Uma criança passa cantando alguma música, aquela voz doce, totalmente inocente... Faz minha mente entrar em um devaneio. Um devaneio profundo...
- Tudo bem? - pergunta ele quando me afasto de seus braços.
Olho-o perdida em meus pensamentos que me levam à sétima série.
- Sim - minto - e você? - pergunto a ele no piloto automático.
- Sim - responde ele em um tom animado.
Ele abre um sorriso tímido e começa a falar de um romance japonês, que ele havia comprado e agora estava lendo. Os olhos dele mostravam puro fascínio, e eu me esforçava a prestar atenção aos detalhes.
A criança solta uma nota alta e desafinada, uma dor no peito me toca novamente. Ela arde em meu estômago e corrói um pouco mais minha alma, eu estava em 2012. Sua voz me chama pelo nome uma primeira vez. Ele não sabia de nada, ninguém sabia de nada. E se soubessem? O que eles fariam?
Sua mão pousa gentilmente em meu ombro tentando me trazer de volta ao presente. Sua voz ecoa meu nome por uma segunda vez. Um toque frio, mas não tanto como uma parte de minha de minha mera existência.
- Você não está prestando atenção... - começa ele.
Mas o que ele faria se soubessem? O que ele faria se eu contasse? O que seria de mim? Será que ele me abandonaria? Será que ele me deixaria?
Mas meus olhos já se perderam no passado, e agora minha mente estava em outro lugar, há 4 anos atrás...
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Chuva De Meteoros
RomanceEste escrevo para libertar-me dos algozes que visitam meu inconsciente em meio a madrugada.