Sempre Siga a Luz...

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Sempre Siga a Luz..
Era uma manhã fria, o rigoroso e tenebroso inverno chegava à cidade. Eu estava dormindo, como planejava fazer assim que as férias chegassem. Não sou um adulto ou algo do tipo, só uma criança que não quer ir à escola. Mesmo assim fui chamado por uma voz peculiar. "Matheus, venha tomar seu café da manhã enquanto ainda está quente!" Matheus, sim, este era o meu nome. Estava tão desnorteado quando acordei que havia me esquecido por alguns segundos. Levantei-me da cama e abri a janela, o leve vento veio ao meu rosto e eu pude sentir como o clima estava lá fora. "Vou por uma outra roupa", pensei eu. Caminhei até o armário e olhei-me no espelho que existia dentro dele. Eu já estava com uma roupa ideal para o frio. Talvez eu tivesse dormido com ela, não me lembrava ao certo. Confuso, desci e fui até a cozinha. "Bom dia dorminhoco", eu era recebido calorosamente pela minha mãe, "Dormiu bem?" "Mais ou menos.", eu respondi com a cabeça baixa e com sono, enquanto ela colocava o meu cereal. "Tudo bem, o rádio disse que devido à grande quantidade de neve, nas escolas não haverá aula, você poderá aproveitar o dia." Aproveitar o dia, uma frase que não me lembro de ter escutado já faz um tempo. Eu comi o cereal lentamente, enquanto escutava à música da rádio. Calma e tranquila como a manhã que se iniciava. "Nossa, esta música me traz lembranças", minha mãe dizia com um sorriso no rosto e enquanto lavava a louça. Ela começou a cantarolar. Eu escutava à música enquanto tomava uma xícara de chocolate quente. Eu me lembrei de onde ela surgiu, um período bem longe e que me espanta ela lembrar. O nascimento de minha irmã, enquanto estava eu e meu pai na sala de espera. A mesma música também estava tocando para os médicos durante a operação. O clima frio e a música relaxante acalmava tanto médicos quanto pacientes e causava uma sensação de conforto em um local onde podem acontecer tanto milagres quanto mortes. Lembrando-me disso, eu também senti um sentimento de nostalgia. Este sentimento, fazia meu coração doer e eu não sabia o que era. Eu me levantei e disse: "Já volto." Corri para o meu quarto e olhei novamente para a janela, vi a neve cair e senti a nostalgia aumentar até o momento que meus instintos me chamaram para olhar para o lado. Ali eu vi a foto de minha irmã e eu nos divertindo juntos e me lembrei de algo que eu não deveria ter esquecido jamais, provavelmente eu devia estar doente ou algo assim para ter me esquecido. Minha irmã estava morta, atropelada por nosso pai que saiu de casa, magoado e sem perdoar a si mesmo. Provavelmente se matou depois de fugir, nunca conseguiram encontrar ele. Eu segurei a foto e comecei a chorar, fazia tempo que não chorava assim, não entendia o porquê até me lembrar porque este dia era tão familiar.

Eu comecei a me lembrar de um ano atrás, fazia exatamente um ano que ela havia morrido. Mas a lembrança que me veio à cabeça foi um pouco antes disso. Foi em um dia como esse, com muita neve e o vento frio, eu estava com uma roupa parecida com essa e minha irmã também estava com outra que também servia para o frio. Estávamos observando o céu, infinito e único como ele só e conversando enquanto fazíamos anjos na neve. "Irmãozinho, será que um dia nossos pais vão nos levar à Disney?", ela perguntava feliz. "Eu realmente espero que sim, também estou doido para ir!", eu respondia tentando dar algum conforto, na época eu sabia que nossos pais estavam longe de sequer ter a quantia necessária para fazer uma viagem dessas. Ficamos lá a tarde toda, brincando de anjos na neve, guerras de bola de neve e tudo relacionado à neve. Até o momento em que olhamos o céu e víamos ele ser coberto por algumas nuvens, um fenômeno um pouco comum, mas que acabou dando origem a uma ideia incomum. "Irmão, criei uma nova brincadeira!", dizia minha irmã enquanto corria até mim para me levantar da árvore na qual eu estava encostado cochilando. "Sério, qual é?", eu perguntava com curiosidade. "Olhe para o céu, vê aquela luz?". Eu desviei meu olhar para o céu para encontrá-lo parcialmente coberto. No meio dele estava um pequeno buraco, que permitia uma faixa de luz descender na Terra e assim iluminá-la, como uma estrela-guia ou o sinal de um caminho. Incrivelmente, os meus pensamentos se aproximaram da ideia de minha irmã. "Eu chamo esta brincadeira de 'Sempre siga a luz'!", ela dizia completamente animada e cheia de energia. Minha irmã sempre foi desse tipo, gostava de brincar não importa com o que fosse, ela só queria aproveitar e ser criança. Eu não podia negar isto a ela e decidi me juntar à brincadeira. "Então, como ela é?". "Bem...Eu estava pensando que nós deveríamos correr sempre atrás da luz, com o movimento das nuvens ela vai se distanciando e quem chegar e ficar exatamente embaixo dela primeiro, ganha!". Eu, de primeira, achava a ideia estúpida e só estava disposto a agradar a minha irmã. Até o momento que a vi correndo para a luz e vi nela uma imagem mais simbólica do que uma imagem de brincadeira. As nuvens representavam o que há de mal no mundo e a luz, a esperança. O pequeno feixe que tenta se espalhar no rosto das pessoas, a luz é o símbolo de que não podemos desistir perante ao mundo. Ver minha irmã correndo até ela representa o quão pura a infância é, quando não sabemos do mal do mundo e quanto ainda podemos ver tudo como um bem. A época da fada do dente, do Papai Noel e do coelho da páscoa, algo que todos queriam poder ter preservado para sempre. Eu queria reviver isto no momento, então eu me levantei e comecei a correr. Corri como nunca havia antes, e ri. Esbanjei um sorriso enquanto alcançava a minha irmã, ela sorria também e nos divertíamos. Nos divertíamos em um dia de neve e chato, algo que somente um laço forte entre irmãos poderia conseguir fazer. É ingênuo, absurdo, dizer que existia alguém que se divertia mais que a gente naquele momento. Um momento que aos poucos me fez voltar à dura realidade: Acabou.
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