O que?

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Melissa

Graças a Deus... cheguei a tempo.
Entrei e subi naquele enorme edifício onde iria fazer minha entrevista. Essa empresa renomada poderia ser o local do meu futuro emprego, melhor ainda, poderia ser o novo começo da minha vida.

Falei com a recepcionista, que me mandou esperar um pouco. Nesse meio tempo fui ao toalhete conferir minha aparência no espelho. Arrumei a invisível bagunça no meu cabelo e chequei minha roupa para ver se tinha algo fora do lugar.
Estava muito bem apresentável, nem parecia ser uma mulher solteira que morava em uma casa simples, com uma filha de 17 anos, que precisava fazer caros tratamentos e por isso passava por necessidades.

Limpei a lágrima solitária que caiu em meu rosto e voltei a recepção. Logo uma mulher me acompanhou até a sala da entrevista.
Eu estava ansiosa, nervosa, com as mãos geladas e tremulas, tentando me controlar e ensaiar pela milésima vez o que falar.

Quando chegamos em frente a porta da sala e ela se abriu, meu coração parou por um segundo. Respirei fundo e fui em frente.
Fui chegando meio devagar até a mesa onde tinha duas poltronas, uma de frente para outra. Uma delas estava de costas, onde possivelmente sentava o grande chefe daquilo tudo.
Sentei me a seu pedido, o mesmo ainda permanecia de costas. A frente de sua poltrona tinha um espelho mas eu não conseguia vê-ló.
Quando aquela enorme cadeira virou-se completamente, olhei a pessoa a minha e fiquei sem ar.
Meus olhos se arregalaram quase saindo para fora.
Segurei-me na cadeira e tentava, fracassadamente, amenizar a cara de susto.

Eu não havia pesquisado muito sobre a empresa ou sobre quem a comandava. Quando a Beth, ou Elizabeth, mãe da Katty me ligou, e falou que sabia de uma vaga de emprego perfeita para mim, fiquei histérica. Eu tinha apenas três dias pra ajeitar tudo; currículo, tinha que comprar uma roupa nova, pois às que tinha não eram boas o suficiente para uma entrevista como aquela, tinha que estudar o que falar, sobre o lugar, o que não fiz muito devido o tempo e tudo mais. E ainda tinham outros problemas em casa, em fim, foi pouquíssimo tempo para tanta coisa.

Eu tentava acalmar o coração e minha expressão de surpresa. Porém, eu não era a única surpresa alí. A pessoa a minha frente estava estática, em completo silêncio, sem mover um músculo, com um olhar um tanto oscilante.

Depois de todos esses anos, depois de tudo que passei, depois de tanto sofrimento...
Agora no momento que parece ser a virada da minha vida, isso está acontecendo?
Meu passado voltou para me assombrar?

- Não pode ser... VOCÊ?

...

Priiinnn
O sinal...

Pus minha bolsa no ombro, peguei meus livros e saí da sala.

- Oi.
- Ah. Que susto sua louca._ a Katty apareceu de surpresa perto de mim.
- UHU, consegui. Finalmente.
-O que?
- Te assustar ué! Você está sempre tão ativa que nunca consegui te pregar um susto.
- Eu também estava distraída._ falei esperta.
Ela lassou nossos braços e então caminhamos assim, como sempre fazíamos. Mesmo ela sabendo que sou capaz de ir sozinha pra onde quisesse, principalmente sabendo que conheço a escola de ponta a ponta, insiste em me guiar, mas é o jeitinho dela desde quando pequena comigo. Por trás dessa gargalhada (que eu amo ouvir), do seu jeito brincalhão, palhaço, de vez ou outra marrenta e esperta, existe uma menina doce. Tão doce que chega a causar diabetes. (Risos em mente).

- Ah, é. E porque dessa distração? - Eu estava apenas pensando...
Mas bem, você nunca conseguiria me dar um susto, eu em meu estado normal. Sabe que tenho uma audição muito aguçada, não é mesmo?_sorrimos.
- E no que pensava?
- Nada demais... apenas na hipótese de entrar no clube do livro._ falei meio receosa.
- E você vai entrar? _ falou em um tom de dúvida e surpresa.
- Eu até quero. Sabe que eu amo ler.
- Uhum.
- Mas é que... eu não sei. Não quero ser tratada indiferente. Sim, eu já sei o que vai dizer, mas poxa, já estou quase melhor. Tá que eu ainda preciso de ajuda às vezes, mas eu só queria ser tratada igual a todos. Sabe, eu não falei ainda a ninguém o que tenho, e nem repararam que eu sou assim. Fui tratada normal esse tempo inteiro. Não como no antigo colégio, que antes alguns se aproveitavam da minha situação e me zombavam pelas costas. Eu conhecia as vozes, apesar de vez ou outra tentarem me enganar com o tom. Acham que eu sou boba por causa do meu problema mas não sou.
- Mas olha, essa escola é diferente. Tem outros como você aqui, e eles são tratados com respeito, sabem que não é permitido esse tipo de brincadeira. E mesmo assim, não tem com o que se preocupar, somos todos iguais, independentemente de alguma impossibilidade, somos humanos, seres com sentimentos. Eu te entendo e aqui parecem entender também. Então, não se preocupe ok?
- Mas você não entende a outra parte... eu não quero ser tratada como um bebé, já chega. Eu já consigo fazer maior parte das minhas coisas sozinha. Outras vezes já não consigo fazer nada por que não me deixam fazer. Sempre tenho que dar satisfações de tudo que faço a todos, de qualquer besteirinha. Eu só quero ser uma pessoa normal, independente.
- Mas você precisa de ajuda.
- Para!_ larguei do seu braço e parei a sua frente. - Por favor... eu só quero ser mais livre não entendi isso? Fazer mais coisas como pessoas normais, mas não me deixam.
O que me impede não é minha impossibilidade, mas sim vocês. As pessoas que não me entedem... vocês é que são minha impossibilidade._ sai dali com os olhos marejados.

Cheguei no banheiro e me tranquei lá. Chorei por vários minutos, como sempre fazia desde pequena.
Nada mudou, pois não deixam-me crescer, então vou crescer por mim mesma.
Limpei a lágrima dos olhos, peguei minhas coisas e abri a porta do sanitário onde estava. Parei na bancada onde tinham pias e um espelho. Lavei meu rosto e levantei o olhar para meu reflexo a frente.

Eu vou aceitar aquele pedido. Eu posso participar então, qual o problema? Ninguém vai ficar sabendo de nada mesmo. Pelo menos, não direi nada. Serei apenas eu, finalmente, uma garota normal aos olhos deles e aos meus.
Forcei a vista para focar em meu reflexo...

- Ahhhhhhhh, eu te odeio._joguei aquilo que parecia ser um pequeno jarro de flores que tinha ali, com toda a força no espelho.

Respirei descompassadamente até voltar ao normal.

- Meu Deus!_ pus as duas mãos na boca em susto. - O que eu fiz?

Como eu iria limpar aquela bagunça?

Não pensei muito, sabia que eu iria me dar mal por isso. Peguei depressa minhas coisas e sem perceber acabei cortando o dedo num vidro que ficou no meu caderno.

- Aí, agrr.

Sai dali rapidamente. Ainda bem que não tinha ninguém nos corredores. Espera um pouco... NÃO TEM NINGUÉM NOS CORREDORES? Já tocou o sinal. Droga, eu estou atrasada.
Sai em desparada para sala. Por sorte não fui barrada por nenhum supervisor.
Ao chegar a porta arrumei um pouco os cabelos e a roupa. Disse ao professor que estava no banheiro, pois não me sentia bem. Ele disse que não havia problemas e mandou me sentar. A aula correu bem e eu agi como se nada ouvesse acontecido.

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⏰ Última atualização: Jan 18, 2017 ⏰

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