More Than This

8 2 0
                                    

As pessoas pensam que os anjos não existem. É uma ideia totalmente falsa. Liam era agora um anjo. Não daqueles que tinham auréolas, mas as asas ele tinha. Umas grandes e bonitas asas brancas nas suas costas, que o faziam sorrir ainda mais quando se olhava ao espelho. Adorava o facto de ter ido para o céu depois de morrer. Era um lugar tão calmo, tão cheio de paz, muito diferente da Terra.

A morte dele. Isso ele nunca iria conseguir explicar. Não iria ter oportunidade de dizer aos seus pais que tudo foi um acidente, que ele se sentia infeliz ao vê-los infelizes, ao vê-los passar noites em branco, com a sua mãe a chorar em cima da cama dele abraçada à sua antiga almofada, com o seu pai ao lado também a chorar baixinho e a dizer à mulher que o tempo curava tudo. Mas nada muda a morte de um filho.

Abbie. Ele queria dizer a Abbie que não a queria deixar sozinha, que não a queria deixar sem proteção e à mercê de todas as pessoas à sua volta. Ele mesmo sentia a sua falta, uma dor aguda no peito quando a via escrever e passado um tempo voltava a fazê-lo. Era como um vício. Como a dependência de álcool ou de tabaco, mas doía muito mais. Ele queria ter oportunidade de dizer a Abbie que leu todas as suas cartas, afinal, estava bem ao seu lado.

Sentado na cama dela, a mexer-lhe no cabelo ruivo e a encarar os olhos verdes brilhantes enquanto a via desenhar as letras no papel branco de linhas. Numa cadeira da biblioteca à sua frente, tendo saudades de todos os dias em que foram para lá estudar juntos e acabavam por ler livros de anedotas. Sentados no telhado a olhar juntos para as estrelas. Abbie sabia que ele estava a vê-la, afinal, ela considerava-o uma estrela. O que ela não sabia era que ele estava bem ao seu lado sentado, protegendo-a do frio com as suas asas de penas brancas.

Como é que ele poderia ter dito a todos que a sua morte fora acidental. Que estava apenas a fazer alongamentos depois da sua corrida matinal e que escorregou para o rio batendo com a cabeça numa pedra? Foi uma morte estúpida. Ele mesmo concordava. Como é que ele pôde ter sido tão descuidado?

Agora não havia nada a fazer. Ele estava aqui, sem qualquer tipo de ligação com o chamado mundo real.

-Há sempre algo que se pode fazer. Basta quereres o suficiente para que se torne real - Liam voltou-se assustado e encarou o anjo mais velho que desde o seu primeiro dia lhe tinha mostrado como se devia comportar no Céu.

-Desta vez não posso. Como é que posso ir à Terra falar com a Abbie?

O mais velho sorriu. Tudo era possível, bastava que ele acreditasse.

-Quem disse que se tem que ir lá baixo? Afinal, podes simplesmente sonhar com isso - depois deu de ombros e desapareceu de novo para os seus afazeres.

Desta vez foi Liam que abriu um sorriso. Essa era a solução. Ele iria sonhar que estava com Abbie, que ela iria ouvi-lo.

Abbie preparava-se para dormir. Tinha o pijama vestido e já estava metida entre os lençóis. Como todas as noites já tinha olhado para as estrelas e rezado a Liam. Fora uma coisa que o seu psicólogo a ensinara, para não escrever mas para rezar. Em algumas ocasiões ela continuava a preferir o papel e a caneta do que falar propriamente, mas depressa se habituou.

Apagou a luz e fechou os olhos preparando-se para dormir. A luz do candeeiro acendeu-se novamente passados poucos segundos.

-O que se... Liam? - a ruiva encarou o melhor amigo. Ele não podia estar aqui, ele estava morto, ela própria o vira no dia do seu funeral. Ela pôs uma rosa sobre o seu corpo.

-Olá Abbie - ele sorriu e dirigiu-se a ela sentando-se na sua cama como muitas vezes tinha feito. No passado.

-Isto não é real - ela abanava a cabeça se um lado para o outro. Pensava estar iludida.

-Só o é se não quiseres que seja real.

Ambos se riram por estarem novamente juntos. Liam não tentou tocar nela. Sabia que a sua mão iria ultrapassar o corpo da rapariga de um lado ao outro.

-Como é que consegues? - ela perguntou referindo-se ao facto de ele estar no seu quarto.

-Afinal eu sou um anjo - ele se aprumou dando real importância ao titulo de anjo.

-O meu anjo da guarda - ela sussurrou. As lágrimas já desciam pelo seu rosto abaixo e Liam encarava-a sem dizer uma única palavra.

-Tens que parar Abbie - Liam falou agora seriamente. Queria que a mais nova o levasse a sério.

-Estás a falar de quê?

-Tens que parar de escrever - ele repetiu.

-Porquê?

-Está a fazer-te mal Abbie. Ambos sabemos isso. Tu estás mal, os meus pais estão mal. Não sabem o quanto dói ver todos vocês infelizes. Por isso eu peço-vos: sigam com a vossa vida.

Diz-lhes que eu os amo.

-Eu não posso.

-Eu amo-te Abbie. Sempre te amei. Agora percebo que o rapaz idiota era eu. Apenas eu.

-Não vás Liam - a rapariga pediu entre o choro compulsivo que já tomava conta dela. Tentava a toa a força parar os soluços mas não havia nada a fazer. Afinal era Liam, o seu melhor amigo, que estava à sua frente.

-Não podes viver presa ao passado.

Letters For Him |LP ✔Onde histórias criam vida. Descubra agora