Infância Destruída

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Clarisse observava silenciosamente as outras crianças correndo e brincando pelo pátio, preenchendo a escola com risadas, suas delicadas e pequenas mãos passeavam pela grama, ela era a única que nunca brincava, não lhe era permitido. Seus pais eram rígidos, diversão estava fora de cogitação, principalmente para ela, afinal o que os outros pais pensariam de sua filha caso ela estivesse cheia de sujeira e suor?

- Vossa alteza, se me permite, posso perguntar-lhe o que faz aqui sozinha? – perguntou um garoto fazendo uma pequena encenação.

Ele sentou ao seu lado após isso, mas ela não ligou, sequer prestou atenção em sua reverência, mas ele não parecia disposto a desistir da garota de olhos vazios, então se levantou novamente e se posicionou a sua frente.

-Eu sou William – disse o garoto balançando os cabelos negros ao sorrir – bem eu acho que você não quer me dizer seu nome – suspirou ele – felizmente meus pais me ensinaram que devo persistir se quiser conquistar algo – ele parou por um segundo para pensar – já sei! Eu já volto não saia daí – finalizou levantando-se e correndo em direção a uma das salas.

Ela o acompanhou com os olhos enquanto o vento balançava suas madeixas vermelhas como fogo, pela primeira vez em anos ela criara expectativas, sabia que não devia, mas não conseguia controlar. Quando o viu voltar, por uma fração de segundo, seus olhos azuis como gelo brilharam.

-Eu quero te dar algo que é especial para mim – disse ele corando levemente e estendendo a mão direita com um bichinho de pelúcia – eu carrego isso comigo há muito tempo, ele é muito importante, pois carrega minha história, e agora eu o confio a você – completou com um pequeno sorriso.

Era uma pequena raposa, de olhos azuis vazios, como os dela, seu pelo ruivo parecia brilhar, ela parecia se encaixar perfeitamente em sua vida. A menina aceitou o presente com um grande sorriso, o que encheu William de orgulho de si mesmo.

-Obrigada – disse ela baixinho olhando-o nos olhos – ninguém nunca me deu algo especial, não se preocupe, cuidarei bem dela – finalizou ela levantando-se.

Sua voz era delicada, como a música que viaja na brisa do vento, e apesar de baixa, lhe fazia querer ouvi-la. Ela depositou um beijo em sua bochecha, deixando os dois corados, ele era mais alto, fazendo com que ela tivesse que ficar na ponta de suas pequenas sapatilhas pretas.

-Clarisse, meu nome é Clarisse – disse ela fitando-o.

Ele parecia prestes a explodir em fogos de artifício, quando foi interrompido por um grupo de garotos que o chamavam, forçando-o a recolher sua felicidade e assumir uma expressão mais séria.

-Cara, temos que resolver aquele assunto, você vem não é? – perguntou um dos garotos com certo deboche em sua voz.

-Hoje não, resolvi fazer algo diferente – respondeu ele olhando para Clarisse – vocês podem fazer isso sem mim, ou simplesmente deixar de fazê-lo por um dia, não é algo tão importante assim – finalizou ele com uma expressão de tédio.

Os garotos ficaram surpresos com tal resposta, afinal o garoto era seu líder e jamais negligenciara seus deveres, ainda mais por causa de uma garota, naquela faixa etária eles ainda estavam na transição de nojo de garotas para gostar das mesmas, resolveram então fazê-lo sem ele, aos seus próprios modos.

-Que assunto é esse? – perguntou a pequena – não faz mal mesmo? Você não ir por minha causa? – completou abraçando nervosamente sua raposa.

-Não é algo tão importante assim, um dia a menos não vai fazer diferença – respondeu ele com o olhar distante – e você quer mesmo saber o que é? Bem, toda turma tem um aluno que é diferente de todos, eu e meus amigos apenas fazemos algumas brincadeiras com o da nossa turma.

Na cabeça de Clarisse, essas brincadeiras eram como as que ela observava, com todos felizes, sorrindo e gritando, ela não via maldade no mundo, mas o que ela veria a marcaria para sempre, pela primeira vez ela veria a verdadeira essência do mundo, ela veria o mal em um lugar que jamais imaginaria encontrar.

-Eu quero ver, me mostre – ela sorria imaginando o que seria.

Ele levantou, a segurou pela mão e seguiu na mesma direção em que o grupo de garotos havia ido, sua expressão estava fechada, em contraste com a dela. Ele não queria que ela visse algo assim, poderia entristecê-la, ela parecia tão sensível.

Nada fora como ela imaginara, havia sim um grupo de crianças rindo e gritando, mas o que saia de suas bocas eram palavras horrendas. William a levou para dentro do circulo, para que visse melhor, o que ela viu fez seu coração bater descompassadamente e seus olhos arderem com lágrimas. Era seu irmão, imóvel com a cabeça entre as mãos, completamente sem defesa, sendo chutado por vários garotos, os telespectadores nada faziam além de incentivar. A garota de grandes olhos de gelo preenchera seu vazio com ódio e desgosto, ela desejava poder, para proteger seu irmão. Ela nunca reparara, mas William possuía um semblante de surpresa, como se não soubesse o que ela veria ali.

- Parem com isso! – gritou Clarisse antes que William pudesse intervir.

- Por quê? Estamos nos divertindo, não há motivo para parar. – disse um dos garotos que o agrediam. – e quem você pensa que é para nos dar ordens? – continuou com um olhar de desgosto.

- Clarisse Haekkun – respondeu a pequena de forma que todos a ouvissem – meus pais tem mais poder do que o de todos vocês juntos, então se não quiserem se dar mal, acho melhor parar. – disse por fim levantando uma de suas sobrancelhas.

Um pequeno sorriso escapara de seus lábios, tornando-a ainda mais desafiadora, todos que estavam ali exceto ela, William e Christian, retornaram para suas salas após ouvir seu sobrenome, o sinal já havia tocado há algum tempo então todos estavam atrasados, mas aqueles três possuíam assuntos mais importantes do que suas aulas.

- Clarisse, eu... – tentara William.

- Você, você sabia disso, sabia o que eles fariam! Você também faz isso! – disse Clarisse interrompendo-o – você não possui um coração, bate em alguém mais fraco só para se sentir superior – completou olhando-o nos olhos.

Ajudara seu irmão e juntos deixaram o moreno de olhos verdes para trás, ela o levou para a enfermaria e seguiu para a diretoria enquanto seu irmão recebia os cuidados da enfermeira. Alguns minutos depois um Acura RLX preto estacionou em frente à escola, um homem alto e forte desceu do carro com uma expressão séria, até mesmo assustadora, mas ao ver o estado de Christian sua expressão se tornou um misto de preocupação e raiva.

- O que houve com ele – perguntou o homem se aproximando rapidamente.

- Garotos idiotas fizeram isso, por favor, Eddie, vamos logo. – respondeu a garota implorando com o olhar – eu não contei ao diretor o verdadeiro motivo de sairmos mais cedo e peço que também não conte nada aos nossos pais. – completou ela, agora com uma expressão mais séria.

- Ok Clair, vamos sair daqui – disse ele ajudando Christian a entrar no carro.

Seus pais nunca souberam do ocorrido, mas isso não impediu que, dois anos depois, Christian fosse enviado para um internato apenas para garotos, e ela transferida para uma escola do outro lado de Londres. Com apenas 10 anos sua vida mudara drasticamente e um convite irrecusável apareceu em seu armário em um dia qualquer.

Empty EyesWhere stories live. Discover now