Capítulo Um

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Enzo Andrade cresceu ouvindo que a vingança era um prato para se comer frio. E, como um bom aprendiz, prestou atenção e assimilou cada palavra, guardando-as como um mantra. Ele sabia que chegaria sua hora de dar o troco.

Então, esperou pacientemente, calculando cada passo, arquitetando cada etapa como um experiente estrategista. Não tinha pressa, porque sabia exatamente o que aconteceria: o destino se encarregaria de resolver as coisas e lhe dar a oportunidade certa para colocar tudo em pratos limpos.

E, depois de muita espera e perseverança, o dia tinha chegado. Ensolarado, quente e belo; um dia perfeito para se colocar um plano em prática. Um plano igualmente perfeito.

Já estava dirigindo há duas horas, o que significava que faltavam poucos quilômetros para chegar à cidade que era seu destino: São Valentim.

Localizada na região serrana do Rio de Janeiro, São Valentim era um pequeno povoado, com população que totalizava pouco mais de oito mil pessoas. Ou seja, seria necessário nove cidades do tamanho dela para preencher um Maracanã inteiro.

Enzo odiava aquele lugar. Não apenas por ser pequeno, por não oferecer grandes oportunidades de vida e por simplesmente não evoluir. Eram as lembranças que o tornavam ainda mais horrível. Em qualquer outra circunstância, ele jamais voltaria. Mas havia contas a acertar, e não era do tipo de homem que foge de uma boa briga.

Dirigiu por mais meia hora e finalmente viu a bendita placa de "Bem-vindo a São Valentim" a saudá-lo. O que chegava a ser ridículo, uma vez que nunca se sentiu bem-vindo ali. E algo lhe dizia que a cidade não iria ficar muito feliz com sua volta, se soubesse quais eram seus propósitos.

Ainda sabia de cor o caminho até a casa onde morou durante toda a infância e adolescência, por mais que estivesse longe da cidade há doze anos. Muita coisa tinha acontecido desde então, e Enzo tinha mudado. Não era mais aquele garotinho bobo, sensível, que aceitava tudo calado. Era um homem agora. Um homem rico, que poderia comprar São Valentim inteira, se por acaso gostasse de coisas velhas e sem graça. Na verdade, só havia uma coisa que desejava comprar naquela cidade. E em breve a teria.

Estacionou sua bela Range Rover Evoque em frente à casa, saltou e ficou observando-a por um tempo. Respirou fundo ao contemplar aquele lugar, que parecia impregnado de memórias, antes de ter coragem de bater à porta.

Aliás, era muito estranho bater à porta da casa onde viveu por tantos anos, como se fosse uma visita solene, mas ela não lhe pertencia mais. E fora uma escolha sua.

Tocou a campainha, e o primeiro som que ouviu foi um latido. Seria possível que seu bom e velho Frankenstein ainda estivesse vido? Ele teria... sei lá, uns dezoito anos.

Mas mais do que surpreso pela existência do cachorro, Enzo ficou quase embasbacado com a aparência de sua mãe. Tudo bem que tinham se passado doze anos, porém, não esperava vê-la tão envelhecida. Estava magra, com os cabelos cheios de fios brancos, olheiras e usava uma roupa gasta, o que era algo bem incomum vindo de uma mulher que sempre se cuidou, que era uma das mais belas da cidade. Para Enzo, ela sempre seria a mulher mais linda do mundo, mas lhe doía o coração vê-la tão deprimida e desgostosa da vida.

— Ah, você veio mesmo? Que milagre! — Ela abriu a porta e simplesmente saiu andando, depois de lhe dar as costas. Agia com frieza, como se aquele ali à sua frente não fosse o filho que ela não via há doze anos. Sentia-se como um estranho aos olhos da própria mãe.

Enzo fechou a porta atrás de si, já que ela a tinha deixado aberta para que ele entrasse, abaixou-se para afagar o enorme vira-lata que implorava por sua atenção, e seguiu a mãe até a cozinha, de onde um cheiro de feijão sendo feito na hora preencheu suas narinas. O que também não deixava de ser estranho: por mais que D. Ângela sempre tivesse sido uma boa cozinheira, odiava ir para a cozinha.

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⏰ Última atualização: Mar 28, 2016 ⏰

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