A cidade transbordava de cores amareladas que cobriam o chão e o topo dos prédios como um véu, um único cavalo descia a rua principal, carregando uma figura colossal, que trajava uma armadura que cobria todo o corpo, seu elmo escondia seu rosto por uma máscara. Slunce, o titã dourado enchia o peito em orgulho, exibindo sua armadura ainda mais poderosa. Até o momento de saída das ruas da capital, o campeão não havia pisado nas pedras douradas que compunham o chão, a cidade estava em festejo, todas as janelas estavam escancaradas e cheias de cidadão arremessando pétalas de margarida no caminho. Uma inundação rubra tomava a multidão pelos cabelos ruivos predominantes, longos e emaranhados que se mesclavam como copas de árvores no meio do outono.
- Lá se vai Slunce, lá se vai o sagrado campeão! - Uma criança bradou de cima dos ombros do pai.
- Traga glória à Wehi. - Um homem de vestes que já viram dias melhores e cabelos salpicados de fios prateados ergueu o punho, sendo seguido por quase todos os outros ao sua volta.
Slunce se mantinha de rosto erguido, guiando sua montaria até os muros da cidade que logo alcançaria no momento, os corredores de pedra que atravessavam o muro principal, abrindo passagem pelos portões de ferro. Seu cavalo regulou o trote ao adentrar a passagem, que mesmo reclusa da luz, não emitia nenhuma sombra, o campeão desceu pouco sua cabeça para evitar seu elmo arrastar no teto, enquanto os urros de glória diminuíam à suas costas. À sua frente agora, outra maré de pétalas estava em seu destino, os campos de margarida que cobriam as terras da capital e nelas o exército dourado, com fileiras de soldados quase intermináveis.
As armaduras seguiam o modelo do campeão, porém a máscara era lisa e com furos diversos em sua fronte. No cinturão de cada guerreiro descansava uma maça dourada sem espinhos, e em suas costas um escudo torre se acoplava à armadura. Cada soldado mantinha a mão direita no centro do peito formando um círculo, o que para os cidadãos de Wehi significava respeito ao Deus do sol ou a um de seus campeões. Alguns dos poucos soldados seguravam em suas manoplas, hastes de bandeiras com o brasão único utilizado por todo o reino.
O cavalo de Slunce se aproximou de uma figura diferente dos outros soldados e próxima da passagem dos muros, com uma armadura mais polida e sem uma máscara em seu rosto, uma capa pequena avermelhada cobrindo apenas seus ombros extensos. Sua face era formada por uma barba curta e rubra, seus olhos eram alaranjados e sua pele bronzeada brilhava com o reflexo do sol, a maça em seu cinturão possuía espinhos de ferro e seu escudo torre havia trocado de lugar com uma bandeira de tecido dourado brilhante, com um sol bordado em seu centro, esvoaçando com a brisa.
- O sol brada nossa partida titã. - A figura desfez o símbolo em seu peito e entrou em formação. Slunce se aproximou e desceu do cavalo que se apressou em sacolejar o corpo.
- Astérion, meu general. - A voz de Slunce ecoou em sua máscara, moldada à partir do que seria a representação do rosto do atual Deus solar Eja'nn, de olhos negros e vazios, nariz longo como uma torre emoldurando maças faciais avantajadas e lábios finos com uma pequena abertura em destaque. - Peço um favor a você e seus homens antes de nosso objetivo.
O rosto de Astérion se tomou por confusão, seus olhos alaranjados semicerraram e suas sobrancelhas encurtaram. - O que seria meu bom senhor? - Ele desceu levemente seu rosto como se analisasse as possibilidades afundo em sua mente.
Slunce se afastou alguns passos, com as mãos unidas nas costas enquanto observava longilíneo o grande exercito que se estendia no campo florido, ele guardava aquele momento em sua mente como uma pintura no centro de um salão nobre. Astérion se aproximou do mesmo deixando poucos passos de distância em respeito à nobreza do campeão e uniu as mãos à frente do peito.
- Meu bom senhor? - Sua voz agora ainda mais polida custou a sair de seus lábios.
- Não acompanharei sua marcha às terras do eclipse. - A voz novamente ecoou seguida por um silêncio, a voz de Astérion se negou a manifestar em resposta a frase. O campeão ainda observava os soldados que se estendiam até à estrada, quase um quilometro dos muros.
- Como não meu senhor. - A voz tendeu a não tremular, porém falhou ao fim da frase. - Você é nosso líder.
- Errado. - Slunce se virou para Astérion e sua máscara o encarou de forma fria, deixando um nó se formar em sua garganta quase que instantaneamente. - Sou apenas seu líder, entretanto. - Slunce tocou o ombro de Astérion com sua manopla e a mesma tilintou ao ir de encontro com o tecido de sua capa, ele guiou o pequeno homem até seu lado e ergueu sua outra mão em direção ao exército. - Longa vida à Wehi, que longa seja a era de Eja'nn!
O exercito aparentou se contaminar com uma euforia, os escudos foram tomados de suas costas e suas maças agora iam de encontro nos mesmos, formando uma batida rítmica ao lado de seus urros. - Longa vida a Eja'nn, Longa vida a Slunce, Longa a vida de Astérion!
- Como vê meu general, este exército é comandado por você, pois de todos que habitam este reino, apenas eles te incluem no juramento. - Slunce comentou diminuindo o tom de sua voz e trazendo suas mãos de volta à próximo de seu corpo. - Não estou os abandonando para a batalha, só irei tomar um desvio pois faltam alguns guerreiros em nossa armada. Slunce pausou observando o céu no horizonte avermelhado, apenas um pequeno borrão como o de uma pintura de aquarela, porém para os habitantes de Wehi, aquele pequeno borrão era algo raro de ser visto, ainda mais pelas terras de Wehi sempre estarem tomadas por nuvens douradas ou um céu azulado e aberto. - Temo algo nesta batalha, e vejo os Paladinos das colinas de ferro e os monges de Inta como uma vantagem precavida.
Astérion manteve o olhar confuso para o campeão, porém resolveu por seguir seus comandos como sempre. - Então marcharemos para as terras do eclipse meu senhor. - Astérion retirou sua maça do cinturão e ergueu a mesma alinhando o sol com o globo virando-se para seus soldados. - Marchemos meus guerreiros! - O comando foi seguido por um longo bravado de urros.
- Esperem até a oitava hora após o vigésimo quinto alinhamento, estarei à seu encontro com nossos aliados. - Slunce se distanciou e novamente se pôs acima de sua montaria, a mesma aparentou tentar se rebelar, porém se controlou com o pulso do campeão em suas rédeas. - Não adentrem as terras, irão até as torres gêmeas na fronteira e de lá aguardarão minha chegada com reforços.
Astérion engoliu um seco observando seu superior distanciar-se em meio as pétalas de margarida que se soltavam ao se encontrar os galopes selvagens de sua montaria. Mesmo incerto de sua capacidade, o general se virou em direção à seus soldados, sua maça agora retornou para seu cinto, deixando suas mãos livres para retirar a flâmula de suas costas e bradar acima da pequena colina que levava aos muros da capital. Astérion avançou por entre seus soldados que abriam espaço para ele, e logo o exército de Wehi marchava seguindo seu general.
A marcha iria durar quinze alinhamentos, atravessando metade do reino de Wehi, pelas Florestas de Outono Eterno, os Pântanos de Ouro e por fim, antes de chegarem às torres gêmeas nas fronteiras, as ruínas dos espíritos solares.
Slunce agora já distante nas colinas ao norte, pode observar a legião se mover como um rio corrente de ouro, seguindo um pequeno ponto vermelho bradando a bandeira de Wehi, o caminho agora não seria fácil para eles, ainda mais pela inexperiência pelos locais no qual passariam, os quais eram tomados por perigos naturais intocados pelos habitantes do continente desde o inicio dos tempos à pedido do primeiro Deus solar Eluk'Wehi, pois tais territórios segundo ele protegeriam o reino de invasões da escuridão.
O campeão não podia perder tempo, e com leves encontros de sua greva no torso do cavalo, descendeu as colinas em um galope apressado e urgente. Ao horizonte, as Colinas Douradas aguardavam a chegada dele, uma distância percorrida em torno de um alinhamento sem cessar seus galopes.