A Gillete

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O hotel realmente era bem perto da igreja, eu andei por uns 5 minutos e o achei.

Era grande e mal pintado, possuía alguns guardas na frente. Eu me direcionei à recepção, que nem era uma recepção direito, era tudo muito mal arrumado e bagunçado, eu me senti um pouco mal.

Recepcionista: Oi, posso ajudar?
Eu: Ah sim, eu gostaria de um quarto por favor
Recepcionista: Só hospedamos menores na companhia de um responsável. E você não me parece ter 18 anos -Claro que eu não tenho 18 anos, tenho apenas 15. Mas não vai ser essa mulherzinha que vai me fazer dormir na rua. Procurei minha identidade falsa na traseira do meu celular, atrás da capinha. Sim, eu tenho uma identidade falsa, e não saio de casa sem ela
Eu: Aqui, toma -Entreguei a ela com muita calma. Ela observou um pouco e logo me devolveu
Recepcionista: Está bem, mas só temos um quarto desocupado, e ele é o ultimo do primeiro corredor, vem comigo -Nós entramos no corredor e logo chegamos no quarto, ela me exigiu o pagamento naquele instante, achei um pouco estranho mas dei sem hesitar.

Recepcionista: Se precisar de mim é só chamar, e você tem que se retirar do quarto às 12 horas, não se esqueça -Disse se retirando, assenti com a cabeça e fui entrando no quarto

Era bem sem decoração, tinha apenas uma cama, uma televisão e um armáriozinho no canto. E é claro que um banheiro também, entrei e fui logo tomar um banho. Deixei a água cair sobre mim por muito tempo, comecei a lembrar do meu pai, e sentir muita saudade dele. Fazia três anos que eu não o via, e a gente só se falava pelo telefone ou por Skype. Comecei a chorar de novo, parece que eu não aguentava nem meia hora sem desabar em lágrimas, meus olhos ficavam cada vez mais inchados e meu coração mais apertado. E o medo de não voltar pra casa? Da minha mãe não me aceitar mais? Que raiva dela! Eu a odeio! Me distancio dos meus pensamentos assim que meu celular toca, saio correndo do banho pra ver quem era. Era um número desconhecido, atendi mesmo assim

Ligação ON
Eu: Alô
Gabriel: Sou eu Júlia -Falou um menino com uma voz familiar, eu conhecia aquela voz
Eu: Gabriel é você? -Me empolguei
Gabriel: Sou eu mesmo. Tô ligando pra você salvar meu número. Tá tudo bem aí na sua casa? -Uma lágrima caiu do meu olho. Droga!
Eu: Tá tudo sim, eu tenho que desligar. Tchau Gabriel -Desliguei a ligação rápido, antes que eu chorasse
Ligação OFF

Sai do banheiro e me sequei rápido, coloquei a mesma roupa e me deitei na cama. E assim dormi, levada pelo cansaço

Acordei com alguém batendo na porta insistentemente. Me levantei, e fui ver o que aquele ser idiota queria. Abri a porta e lá estava um cara bem gordo, com a expressão de muito irritado e com os braços cruzados

-A senhorita sabe que horas são?
Eu: Não, vai perguntar em outro lugar, eu tava dormindo seu babaca -Fechei a porta na cara dele e ele voltou a bater com força
Eu: O QUE FOI? -disse irritadissima abrindo a porta novamente
-Sou o dono do Hotel e você só pode ficar aqui até as 12:00
Eu: Credo, e que horas são?
-13:50 senhorita -Ele fez uma cara de indignação
Eu: só cinco minutos e eu tô vazando -Fechei a porta e fui tomar uma ducha rápida, coloquei a mesma roupa novamente e saí do lugar com uma sensação estranha. Que hotel mais esquisito!

Fui para a rua e percebi que os ratos cheiravam melhor do que eu, eu precisava trocar aquela roupa urgentemente. O pior é que eu não tinha dinheiro algum e eu estava com uma fome terrível, a última coisa que eu coloquei em minha boca foi aquele sorvete. Fui para a minha casa em passos longos, torcendo para que a porta esteja destrancada e minha mãe mais calma. O caminho parecia não ter fim, mas eu havia finalmente chegado... Corri para dentro o mais rápido que pude. A porta estava aberta, eu entrei um pouco nervosa e logo vi minha mãe deitada no sofá assistindo tv. Não sabia qual seria a reação dela ao me ver, mas decidi não falar nada, fui andando devagar e subindo as escadas com cuidado

Rebeca: Não esqueci de você garota, o que é seu tá guardado -Ela disse friamente sem mover um músculo, olhando ainda atenta para a televisão. Eu desci os poucos degraus que tinha subido e fui até ela
Eu: O que você vai fazer? Me matar -Disse em um tom irônico, não aparentando medo, mas meu coração quase pulou pra fora. Ela continuou imóvel -FALA -gritei um pouco mais nervosa e ela soltou uma risada de psicopata
Rebeca: Calma meu amor, tenho outras idéias em mente -Ela disse me mandando um beijinho falso
Eu: O que você vai fazer comigo? -Comecei a tremer descontroladamente -VOCÊ É UM MONSTRO -gritei com ela e minhas pernas ficaram bambas. Ela se levantou e chegou perto de mim, ainda com uma expressão calma
Rebeca: Porque monstro? Ainda não te fiz nada. Assim você me magoa -Ela disse ironicamente
Eu: Você me dá um nojo terrível -Sai correndo da sala e fui para o meu quarto

Tomei outro banho e troquei aquela roupa. Fui pra cozinha comer alguma coisa e quando estava voltando para o meu quarto ouvi minha mãe falando no telefone com meu pai... Eles já estavam se despedindo e eu só ouvi minha mãe falando seguinte:

"Ela vai adorar o lugar Leonardo, eu juro, é a cara dela, não se preocupe! Eu me encarrego de tudo por aqui e você autoriza"

O que será que eles estavam falando? Aposto que era de mim e o plano da minha mãe de me prejudicar. Eu não conseguia pensar em outra coisa, meus pensamentos estavam atordoados e minha cabeça a mil por hora. Eu me sentei no canto do quarto e comecei a chorar de novo, mas dessa vez era de medo, medo do que minha mãe faria. Eu naquele momento não estava ligando mais pra nada! Bateu uma vontade de me matar, de fugir daquela vida e recomeçar outra totalmente diferente daquele inferno que eu vivia. Já era 3 anos aguentando a Rebeca e a loucura dela, eu não suportava mais isso. O pior de tudo era saber que eu era incapaz de mudar qualquer coisa. Eu corri para o banheiro e fui até o espelho, apoei minhas mãos sobre a pia e comecei a olhar o meu estado. Eu estava feia, com o rosto vermelho e com os olhos inchados de tanto chorar. Não fazia a mínima ideia de como seria minha vida daqui pra frente. Eu não achava a menor graça em viver. Abri um armáriozinho que estava do meu lado e fui procurar qualquer coisa para melhorar meu rosto. Foi aí que eu vi uma Gillete... Eu não parava de chorar e minha mente foi ficando vazia...

Peguei aquela Gillete e bati com toda a força na pia, ela quebrou em vários pedaços. Peguei um pedaço da lâmina quebrada e me sentei no chão

Um Mundo Cor-De-PretoOnde histórias criam vida. Descubra agora