Capítulo 1: Terra à vista (3)

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O grupo dos viajantes do mar seguiu por dentro da floresta, amarrados com cipós nos tornozelos e pulsos. As três mulheres pareciam comandar o grupo de captores, elas usavam a mesma vestimenta, uma longa faixa que rodeava o corpo diversas vezes. Os homens, longas túnicas. Nenhum deles usava calçados, o que já os denunciava como verdadeiros bárbaros, selvagens sem qualquer instrução.

— Podiam arranjar umas túnicas para nós, hein! Se continuar desse jeito, os mosquitos vão nos matar antes de chegarmos à sua cidade. — Um dos marinheiros reclamou, mas foi ignorado, como vinha acontecendo desde a captura. Pegos de surpresa, logo foram amarrados e postos para caminhar, mesmo após gritaria geral de protestos. O Capitão Balboa, mais resiliente do grupo, tentou conversar com calma, mas nem ele obteve resposta alguma. Os selvagens só conversavam entre si, e muito pouco.

— Esses macacos-do-mato vão ter o que merecem, deixa só eu recuperar minha lâmina... — Disse Zelmo num baixo tom de voz para Ivan.

— Eu já estou providenciando minha fuga sem a lâmina. — Respondeu o rapaz. Zelmo franziu a sobrancelha em dúvida, mas logo entendeu quando Ivan inclinou-se para mostrar o que estava fazendo. Esfregava uma pedra pontuda no cipó que lhe prendia os pulsos.

— Maldito moleque sortudo! — Retrucou Zelmo.

Quando foram capturados, todos tiveram as armas e sacolas confiscadas, mas Ivan, que estava ainda na beirada da lagoa quando os selvagens saíram da mata fechada, foi mais esperto. Catou uma pedra qualquer que estava ao seu lado e enfiou na beirada da calça. Quando já estava sendo levado com os outros, retirou a pedra e começou o lento processo de rompimento do cipó.

Das três mulheres, a única que andava separada era a jovem que pulou no lago, e era ela também a única que portava uma arma, a espada curta de Ivan. Ela parecia estranhamente enraivada, e já tinha espetado levemente alguns prisioneiros com a ponta da espada, coisa que nenhum dos outros selvagens tinha feito, apenas ameaçado.

"Acho melhor deixar a espada com ela, vou ter que arranjar outra", pensou Ivan. O cipó dos pulsos já tinha sido cortado, ele apenas segurava as beiradas para manter as aparências. Livrar os pés era muito mais complicado. Teria que pegar uma das espadas de volta e cortar o cipó de uma só vez, e precisava ser um golpe certeiro, pois um erro daria aos selvagens tempo de perceber e atacar. Ou até pior, o erro custaria a Ivan o seu próprio pé. Tomando cuidado para não ser ouvido pelos captores, e omitindo suas palavras até os próprios companheiros como consequência, Ivan explicou a Zelmo o seu plano.

— Ei, moleque. Vou te dar uma ajudinha. — Sussurrou Zelmo, e indicou com um sinal de cabeça, um dos homens selvagens. Ele andava desatento, sem qualquer malícia. O facão na cintura dele tinha o cabo apontado para o grupo de aprisionados, totalmente desprotegido. Ivan aproximou-se lentamente, enquanto continuava com a farsa dos pulsos amarrados.

Zelmo e Ivan já se encontravam em cantos opostos do grupo capturado, com Ivan perto do selvagem desatento. Ivan levantou a cabeça para ver o dia claro sobre as folhagens, respirou fundo e sentiu o vento da fortuna chacoalhar os galhos altos. Era suficiente. Piscou o olho para Zelmo. No meio da quietude dos selvagens, e dos resmungos dos marinheiros, um grito se sobressaiu:

— Ai! Ai! AiAiAi! — Zelmo teve uma súbita crise de dores. Dores tão fortes que causaram gritos de agonia contagiosa. Alguns, após o susto inicial, só de ouvir o sofrimento do amigo, sentiram uma pontada de dor mesmo sem saber qual havia sido a causa da lamúria.

— O que é isso? — Gritou Baga-Seiu, a provável líder.

— Zelmo! O que houve? — Todos perguntaram em coro.

Todos se voltaram para Zelmo, caído no chão com uma tremedeira incontrolável. "É um baita ator, este folgado", pensou Ivan. Os selvagens, levados pela curiosidade, saíram da formação que rodeava os marinheiros, para checar o barulhento Zelmo, e foi esse o momento aguardado por Ivan. Largou o cipó dos pulsos e esticou o braço para alcançar o cabo do facão. Pegou firme e puxou de uma vez.

— Ei! — Gritou o selvagem distraído, antes mesmo de virar o rosto. Quando virou, já era tarde. Ivan descia o braço num golpe mirado entre os pés, que dilacerou as amarras e o deixou livre para correr.

— Vá embora, moleque, e volte mais tarde para nos libertar! — Gritou Zelmo, que ria desenfreadamente enquanto Ivan se afastava do grupo.

— Zelmo! O que vocês fizeram sem a minha autorização? — Esbravejou Balboa, e agora com uma fúria verdadeira, expulsada do âmago pelas cordas vocais potentes.

— Estou apenas nos dando uma chance, velho. Há, há, há...

— Peguem o fugitivo! Você, corra atrás dele! — Gritou a líder.

Um selvagem obedeceu e disparou em perseguição. Quando olhou por entre os troncos para precisar a direção em que Ivan fugia, teve uma surpresa. Nora-Celtah já corria na sua frente, rápida como o vento da noite, atrás do rapaz.

— Nora-Celtah! Volte para o grupo, eu pego o fugitivo! — O grito correu pelo ar, mas não alcançou a garota. Ela era mais rápida.

"Agora eu volto para o barco e faço o quê? Peço ajuda para os aquáticos?", Ivan pensou consigo mesmo. As passadas eram rápidas e longas, por algum motivo ele sentia que se fosse pego novamente, não seria tratado apenas como mais um prisioneiro. Olhou para trás. A garota vinha no encalço. "Com certeza consigo derrubar essa daí", mas ela estava armada, então Ivan decidiu continuar correndo, pois não tinha mais o facão; escorregara da mão logo que começou a correr.

— Baga-Seiu, vamos ficar aqui até eles voltarem? — Perguntou um selvagem.

— É melhor irmos andando. O garoto é rápido, mas não sabe para onde vai. Se continuar seguindo reto, é provável que morra antes que Nora-Celtah o alcance. — Respondeu a mulher, e retomou a caminhada, liderando o grupo.

— Cadê essa praia que não chega?! — Gritou Ivan. Já estava ofegante. Os perseguidores mantinham a distância, mas não apresentavam cansaço algum, o que fez Ivan pensar em se entregar uma vez. Três vezes, na verdade. Ele já sabia que estava num caminho estranho, pois havia passado por uma região pedregosa, e viu de longe um mangue escuro, que tinha certeza de não ter visto antes. A terra do chão agora era mais rígida, e as árvores mais espaçadas. De chofre, um zunido passou reto à frente do seu rosto. Uma flecha disparada para acertar na cabeça.

— Mas o que é isso?! — Gritou Ivan. Por um segundo parou e tentou ver de onde a flecha havia sido lançada. Com certeza não era a garota, que estava na traseira, e a flecha veio mais pelo lado. Viu um borrão vermelho, mas se lembrou de continuar em movimento, pois parar era morte certa. Voltou à corrida.

Enquanto não via mais flechas cruzando seu caminho, Ivan encetou um pensamento inusitado. "Eu sei que meu pé está sendo judiado, mas nem sinto mais nada, apenas a pisada dura. Estranho como amanhã ele vai estar realmente dolorido", passou um bom tempo para pensar isso, ao ponto de não perceber o que mudara à sua volta. Definitivamente estava em outro local. As árvores rarearam, e mesmo estando presentes, não era mais apropriado dizer que estavam numa floresta. O chão de terra amarela, com muitos pedregulhos, tornava as passadas mais fáceis que na floresta, que não era plana. Ivan só voltou a si quando notou uma pedra enorme e dois grandes vultos vermelhos encimando-a. Seus olhos focalizaram e no mesmo instante, ele ouviu o grito:

— NÃO! — Nora-Celtah se desesperou, e Ivan sabia que era algo sério. Virou de costas e viu a menina se jogando no chão. Imitou-a sem medo. Caiu de costas e levantou o olhar para as criaturas na pedra. Antes de ver o que faziam, ou o que era a máquina que operavam, um estrondo tomou conta do local.

Pássaros debandaram e uma fumaça branca surgiu da dupla de cima da pedra. Um grito de dor ecoou. Era o selvagem que seguia Nora-Celtah. Ainda pressionando os ouvidos, por causa da explosão, Ivan percebeu mais gritos, desta vez da própria garota.

— Eu vou me entregar! Por favor, não me matem! — Ivan baixou o olhar e viu a sua perseguidora se erguer do chão com as mãos para o alto, largando a espada curta. Ele fez o mesmo, mas antes de se pôr em pé, alguém lhe bateu na nuca e o mundo se apagou.

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⏰ Última atualização: Apr 09, 2016 ⏰

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