Capítulo Um.

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"Era uma vez um pequeno reino a beira-mar. Este reino, cheio de alegrias e maresias, foi tomado por uma grande onda de tristeza quando o seu amado e corajoso rei desapareceu em meio a uma batalha. Este reino ainda tem esperanças que o luto de quinze anos acabe com a chegada da Rainha".



Os pequenos pés corriam pela grama molhada e eu assisti com fascinação a força com que eles afundavam no solo escuro. Corri atrás sem conter a minha gargalhada. Levantei as minhas saias e subi a colina, enfiando meus dedos na terra para ter mais impulso. Respirei fundo e me joguei sobre ele. O pequeno espertinho estava ofegante debaixo de mim, levantei-o no meu colo, voltando todo caminho até o convento, ouvindo sua risada de bebê alegrar ainda mais o meu dia. A freira Mary estava me olhando com enorme pavor. Meu cabelo castanho estava sujo de lama e minhas pernas pareciam duras por causa do excesso de grama grudada nelas.

Robert, o pequeno fujão, aceitou o colo da freira enquanto outra me puxou rapidamente para o meu quarto, onde um banho quente me aguardava. Tirei as minhas roupas cinza completamente sujas de terra e tentei limpar o sorriso do meu rosto enquanto ouvia o longo sermão sobre o fato de não me comportar como uma dama. Essas mulheres sagradas sempre cuidaram de mim com amor e carinho, mas todas elas sabem que ainda sou uma menina, apesar de estar me aproximando da fatídica idade em que retornarei para o grande castelo dos meus sonhos e assumirei o meu lugar.

Sequei-me com auxílio da freira Mary, que parecia continuar consternada comigo e fiquei pensando numa maneira de fazê-la me perdoar antes da hora do jantar.

- Ele estava fugindo. Nu. O que poderia fazer? – falei baixinho e ela revirou os olhos. – Lamento por ter saído correndo. Não havia ninguém por perto.

- E se tivesse? Clary... Você irá completar quinze anos em breve, querida. Eles virão e buscar... Você é uma...

- Rainha. Eu sei. – suspirei olhando-me através do espelho. Meus olhos azuis sempre pareciam mais claros quando estou feliz. Meu cabelo longo estava molhado, pesado e caído sobre meus ombros. – Você os conhece?

- Não, querida. Sinto muito. Somente a madre conheceu a Rainha quando ela veio trazer você. – respondeu com um olhar distante. – Lembro o momento que você chegou. Um bebê de três anos de idade. Um doce anjo loirinho com os olhos assustados, se escondendo atrás de uma boneca de pano, pedindo colo...

- A Rainha... Ela gostava de mim?

- Não sei.

- Eu acho que não. Ela me deixou aqui e tão longe de casa...

- Eu sei querida. Talvez ela tenha feito o que achou de melhor. Ser cuidada por nós lhe deu a chance de ter uma educação ampla e adequada.

- E também de viver longe da minha terra, do meu povo e da memória dos meus pais.

- Você foi prometida ao nascer, Clarissa.

Uma batida na porta encerrou a nossa conversa. Sentei no meu banquinho em frente e penteadeira e permiti que duas jovens freiras fizessem uma longa trança em meu cabelo, deixando-o bem penteado para o jantar da noite. Elas se retiraram e me deixaram sozinha em meu quarto para descansar e fazer meus deveres de rainha. Uma rainha que não conhece seu povo, não lembra a sua terra e muito menos consegue lembrar-se dos seus pais. Recostei na minha cama pensando no pequeno Rob. Ele foi deixado no convento ao nascer, pouco mais de um ano atrás e todas nós cuidamos dele até que se tornou o nosso bebê favorito. Muitas crianças são deixadas aqui. A maioria órfã como eu. Todos sem classe, filhos bastardos de condes, condessas e outros nobres.

A RainhaOnde histórias criam vida. Descubra agora