Carta II

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Querida Alice,

Você tem noção de quão clichê é escrever uma carta? Cartas são a sua cara, não a minha. Pensei em mandar uma mensagem instantânea, que combina bem mais comigo, mas o que vou escrever é grande demais para isso; eu poderia mandar um e-mail, mas quem é que manda e-mails que não são a respeito de trabalho hoje em dia? Sendo assim, já que é para ser algo ultrapassado, que seja uma carta mesmo.

Primeiramente, eu sou péssima escrevendo (não que você já não saiba), diferente de você. Então, se isso aqui ficar péssimo, por favor, releve, o que vale é a intenção, certo?

Alice, como você pôde sequer pensar que eu teria nojo de você? Você é a minha melhor amiga e eu te adoro. Quanto a te achar maluca, fala sério, nós duas sabemos que a maluca da dupla sou eu, não você.

Eu quero te pedir desculpas por demorar tanto tempo para responder sua carta, sei o quão aflita você deve ter ficado. Quero me desculpar também por ter me afastado de você após o beijo, eu realmente sinto muito. Não quis te causar nenhum tipo de dor, eu só não sabia o que fazer ou como lidar com toda a situação, eu estava com medo, medo do que as pessoas diriam, medo do que aquilo poderia significar, medo de mim mesma.

Antes daquele dia, eu tinha certeza que qualquer sentimento que existia entre nós era apenas amizade, nada além disso. E então você me beijou... E aquilo me deixou aterrorizada porque você é a minha melhor amiga e porque você é uma garota. Eu sei, isso parece horrível e preconceituoso e tenho vergonha por ter pensado assim, mas eu não sabia o que fazer, na verdade, acho que eu não sabia o que fazer até ler a sua carta.

A verdade é que, por mais que no último mês eu tenha tentado negar e fugir disso, quando seus lábios tocaram os meus, uma corrente elétrica pareceu percorrer todo meu corpo, eu me senti como nunca antes. Seus lábios são macios e doces, como os de nenhum dos vários garotos que eu já beijei foram capazes de ser. Pensar assim ainda me assusta, mas estou tentando me acostumar a isso. Eu pediria para você ser paciente, mas sei que você é a garota mais paciente e compreensiva que já conheci.

Eu me senti péssima ao ler a sua carta, pois nela você diz que eu sou uma pessoa corajosa, mas eu tive medo também, Alice. Eu tive medo porque eu não queria ser julgada, não queria ouvir as pessoas dizendo "como uma garota bonita daquelas pode beijar outra garota?", não queria que meus pais me olhassem com desgosto ou que minhas amigas se afastassem de mim...

Eu tive e ainda tenho medo, muito medo. Pela primeira vez em toda a minha vida eu me senti frágil e me vi de mãos atadas, foi por isso que me afastei, por medo, porque talvez eu não seja essa pessoa cheia de coragem que você descreveu e isso me assusta ainda mais, porque parece que eu nem sei mais quem sou. Mas talvez isso seja um sintoma do amor, né? Talvez o amor também seja isso de se perder em alguém ou no que você sente por alguém e, ao mesmo tempo, se encontrar na pessoa. E o mais louco disso tudo é que depois daquele dia eu sei que nunca serei a mesma e, apesar disso, ainda quero me embriagar em você e em cada pequeno detalhe seu. Porque você é um céu repleto de estrelas (como naquela música do Coldplay que você tanto gosta) e mistérios.

Enquanto eu lia a sua carta, meu coração disparou e eu sei que isso parece meio ridículo, mas é verdade. Eu senti algo tão forte que envergonharia todos aqueles garotos por quem eu achei que tivesse me apaixonado. Porque você sempre foi essa garota tímida, que preferia se esconder de seus medos, mas não naquela carta, ali, você pareceu corajosa como nunca antes e foi como se suas palavras me dessem força para enfrentar a guerra civil que acontecia dentro de mim. Eu sei o quanto de coragem aquela carta demandou de você e eu estou tão orgulhosa por você ter enfrentado seus medos em nome de algo que você acredita; e ela foi tão pura, tão singela, que foi impossível não ter a certeza de que eu sentia o mesmo.

E agora, eu estou aqui, ouvindo aquelas músicas depressivas que você ama e me lembrando de seus olhos verdes, dos seus lábios macios e do seu cheiro... ah, como o seu cheiro de morango me fez falta nesses dias. Porque eu adoro te observar enquanto você toca "Yellow", do Coldplay, no violão, adoro como sua franja está sempre caindo no seu olho, adoro encarar os seus olhos e tentar entender o que se passa nessa sua cabecinha, adoro o fato de você ser sempre tão misteriosa e me obrigar a te desvendar, eu adoro o seu sorriso, sempre tão verdadeiro, adoro as saias rodadas que você usa, adoro me perder no seu abraço, adoro como você sempre tem um bom conselho para dar e adoro o fato de você nunca desistir de mim, adoro como você me dá esperança e a forma que me faz ver a vida de um ângulo diferente. Eu adoro você e cada detalhe seu.

Eu passei noites acordada tentando entender o que estava se passando comigo e quando eu cheguei a uma conclusão, tudo que eu mais queria fazer era não ter chegado. Mas quando eu li as suas palavras sobre se deixar ser influenciada pela sociedade, eu percebi que apesar de eu sempre ter te dito para não se importar com o que os outros pensam, eu estava me importando, até demais. E, como você me fez ver, essa não sou eu, foi por isso que eu me levantei da cama essa noite e vim escrever essa carta para você, sei que não está nem metade profunda e tocante, comparada à sua (eu sou de exatas, dá um desconto), mas escrevi com todo o meu amor e coragem.

Agora, tudo que eu consigo pensar é o quanto já perdi de você e de tudo que você tem a oferecer, o quanto já perdi de nós. Mas eu não quero que seja mais assim, eu quero ter tudo. Então, mesmo que eu saiba que a partir do momento que você ler essa carta tudo estará mudado e que nós vamos ter de enfrentar muita coisa, eu estou disposta a tentar, eu estou disposta a arriscar; enquanto você estiver do meu lado, segurando a minha mão, eu estarei disposta.

Com reciprocidade, Estela.

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