Capítulo II - Isis

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No dia seguinte, acordei com meu pai batendo na porta e dizendo para que eu levantasse rápido. Apostei comigo mesma que ele tinha preparado algum programa no estilo pai e filha, já que sempre foi muito apegado a mim e a ideia da minha "partida" o deixava feliz e triste ao mesmo tempo. Feliz porque ele sempre desejou que eu não dependesse de ninguém. Triste porque eu sempre estava por perto, mas depois que eu me mudasse, não seria assim.

Na sexta ou sétima chamada, fui até a porta e a abri, perguntando logo em seguida o que ele queria.

– Vista alguma coisa decente – ele disse, amarrando o tênis. – Vamos tomar café lá na 100 Palavras.

Diego, meu pai, lecionava História em algumas escolas particulares e Física nos colégios do estado. Ele chegou a ser meu professor durante quatro anos seguidos, mas sempre manteve a profissionalidade e a ética, me tratando como trataria qualquer aluno. Dele eu tinha herdado o verbo fácil, a curiosidade, o amor pela História, pelos bons filmes e pela graça das coisas simples da vida. Fora isso, mais nada, nem características físicas. Enquanto eu era morena e levemente cacheada, de pele clara e grandes olhos verdes herdados da minha mãe, meu pai era negro, de cabelos crespos e olhos castanhos brilhantes. Ele era uma das pessoas que mais me fazia rir, e eu tinha certeza de que eu sentiria muita falta dele no dia a dia, assim como ele sentiria a minha.

Após cinco minutos de viagem de carro, chegamos ao Café & Leitura, um estabelecimento comercial formado por dois amigos meus e de meu pai: Hiran, que foi meu professor de Sociologia, e Nena, minha ex–professora de Inglês e Espanhol. Os dois tinham iniciado um pequeno negócio juntos há alguns anos. Hiran administrando a cafeteria e Nena, a livraria. Começaram em uma minúscula casinha próxima ao colégio onde eu estudava e, como o negócio ganhou fama e prosperou muito rapidamente, logo compraram um terreno gigante, onde reformaram tudo e criaram um local de lazer, socialização e comércio.

O lugar tinha um amplo espaço para crianças brincarem e correrem, muitas árvores, além de dois parquinhos diferentes. De um lado, a Cafeteria Bourdieu, ladeada por uma cerca baixa, com suas mesas de madeira escura com detalhes brancos assim como as cadeiras, e seu balcão azul e branco que dava para a elegante cozinha com paredes de tijolos aparentes e bancadas de mármore. Do outro lado, a livraria 100 Palavras. Um único cômodo repleto de pinturas e livros, com sofás e poltronas confortáveis para acomodar os leitores e possíveis compradores.

Aquele era um dos meus lugares favoritos no mundo inteiro, e eu ia lá sempre que podia. Naquela manhã, porém, senti que aquele encontro teria cara de despedida.

Ao chegar à cafeteria, notei o cheiro maravilhoso de café e bolo que vinha de uma das mesas. A maior mesa, diga-se de passagem. Aquela que era usada somente em festas e que permanecia desmontada e guardada se não fosse necessária. Atrás dela estavam algumas das pessoas que eu mais admirava na vida, todos professores. Jairton, um dos melhores professores de História que já tive; Bruno Oliveira, que me ensinou a amar Filosofia; Bruno Duarte, que sempre foi parceiro e leitor dos meus textos; Cainã, que sempre me incentivou e puxou minhas orelhas para que eu prestasse mais atenção aos pontos sem nó que às vezes encontrava nas minhas histórias. Ao lado deles, Hiran, Nena e minha mãe, Dione, que tinha ido para lá mais cedo, completavam o grupo. Era um seleto e maravilhoso grupo. Todos eles me fizeram feliz em algum momento da minha vida e eu era extremamente grata.

Lágrimas ameaçadoras se puseram a postos.

– Por que eu sinto que isso aqui é uma despedida? – perguntei, enquanto abraçava cada um deles.

– Não é não – Jairton disse, puxando uma cadeira para que eu me sentasse. – Só estamos comemorando a sua independência, já que vai sair da casa dos seus pais.

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