A noite mais longa

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Faltavam cinco minutos para as dezoito horas quando iniciei os procedimentos para o fechamento da agência. Tranquei o cofre e programei sua fechadura de retardo para as oito horas do dia seguinte. Então, solicitei ao vigilante que se desarmasse, apaguei as luzes e ativei os alarmes. Saímos os três: eu, o vigilante e o gerente. As dezoito em ponto deixamos a Sala de Autoatendimento em direção à praça e cada um seguiu para casa.

Nesse momento um rapaz sentado num dos bancos ali em frente tirou o celular do bolso e fez uma ligação. Em seguida, dirigiu-se apressado a um carro que estava estacionado a alguns metros da entrada da agência e deixou o local. Eu tinha percebido o carro escuro, com placa de fora, ali parado; e percebi que o mesmo estava vazio. Mas, não vi quando saiu em alta velocidade.

Queria passar no supermercado, comprar bolo e leite. Adoro comer bolo quentinho, no qual passo uma camada generosa de manteiga. A manteiga vai derretendo enquanto abocanho o bolo acompanhado de leite gelado. Mas, minha calça jeans ainda não secara. Mais cedo, quando voltava do almoço, tomei uma baita chuva. Tinha trabalhado a tarde toda com a roupa molhada. Decidi seguir direto para casa, botar uma roupa confortável e aí, sim, ir às compras.

Vinte minutos depois chegava à minha rua. Próximo ao portão havia um carro estacionado: placa de fora, cor escura. No entanto, não era o mesmo que estava na praça.

Na última década eu aprendera a verificar (e a memorizar temporariamente) as placas de todos os carros parados próximo ao meu trabalho e a minha casa. Assim como aprendera a fazer diferentes caminhos no meu dia a dia, a não abrir o portão de minha casa em determinadas noites do mês, a restringir a vida social, a não sair de casa a partir das tardes de domingo.

Logo que entrei no portão, fotografei discretamente o veículo parado. Minha próxima providência seria consultar a placa do veículo nos sistemas do DETRAN (Departamento de Trânsito de Minas Gerais) e da polícia.

Estranhei que a casa estivesse em silêncio àquela hora. Normalmente haveria uma mistura alucinada de sons emitidos pela TV ligada no último volume, pelos acordes da guitarra de minha filha.

Não estranharia se houvesse ainda um equipamento de som ligado no quarto ou uma música estridente saindo do computador. Havíamos feito um acordo: todo o volume e todos os sons estariam liberados até que eu chegasse do trabalho. Depois seria silencio total; ou pelo menos sons em quantidade e altura aceitáveis para pessoas da minha idade.

Mas, o fato é que agora tudo era silencioso, as portas estavam abertas e da sala eu podia vê-la sob as cobertas apesar do calor.

-Isso são horas de estar dormindo? -Não houve resposta, o que me levou a concluir que ela estivesse realmente dormindo. Avancei para o corredor em direção ao meu quarto. Tinha pressa de vestir roupas secas.

Nesse momento que fui surpreendida por braços vigorosos, os quais me aplicaram uma gravata vigorosa. Soltei um grito enquanto me preparava para repreender meu ex-marido pela brincadeira sem graça. No entanto, um revólver encostou-se em meu rosto ao mesmo tempo em que percebia que aqueles braços não poderiam, jamais, pertencer ao pai de minha filha.


Fui empurrada em direção ao seu quarto e vi o outro elemento em um canto com a arma apontada para ela. Minha filha se levantou e eu pude perceber o terror em seus olhos. Começava assim a noite mais longa de minha vida.

A Felicidade Não Está A Venda! (para degustação)Onde histórias criam vida. Descubra agora