A minha avó nunca foi como as outras avós, ela era humorista e sempre gostou de me contar piadas. Mesmo que algumas dessas piadas não devessem ser contadas para uma criança, ela contava ainda assim, sendo barrada por alguns familiares com um:
- Isso não é coisa para se contar a uma criança!
Morei por dois anos na casa dela e com isso estabelecemos um vínculo muito forte. Ela sempre me perguntava o que eu gostaria de comer, daí então passava a comprar essa comida pelos próximos cinco meses até que ninguém suportasse pensar no cheiro daquele prato. Não estou exagerando, sério, ela realmente fazia isso. Até hoje não consigo olhar com os mesmos olhos para pastel de queijo ou panquecas.
Estava tudo indo muito bem, até o dia em que ela adoeceu, teve que passar por uma cirurgia que deu errado e não voltou mais pra casa.
- Clara, você sabe que a sua avó está muito mal, não é? – Dizia o meu pai.
- Sim, mas ela ainda pode melhorar, não pode?
- Mas você sabe que o estado dela é muito ruim e isso quer dizer que...
- Ela ainda pode melhorar, não é?
- É.
A minha avó veio a falecer na noite daquele mesmo dia, e eu simplesmente não conseguia parar de chorar. Eu chorava e chorava, meu pai tentava me consolar e eu chorava ainda mais. Ele dizia que era a lei da vida, mas tudo parecia errado. Eu tinha treze anos e não conseguia entender, era uma idade em que eu deveria entender.
No dia seguinte, tentei ser forte o suficiente para ir ao colégio. Consegui me arrumar como se nada tivesse acontecido e no caminho para a escola tentei não pensar muito no ocorrido. Recentemente havia mudado de colégio e eu estava numa sala onde eu não conhecia ninguém, e foi aí que o conheci.
Cauê estava sentado na minha frente, e apontava o lápis como um detento que faz uma faca na prisão. Naquela época o seu cabelo estava pintado de verde, e ele ainda usava aquele colar estúpido que Virgínia comprou.
- Sinto muito pela sua avó - falou sem tirar o olho do lápis.
Ridículo, mas eu já estava chorando.
- Não faz muito tempo que o meu cachorro morreu, sabe? Eu sei como é.
E me entregou o lápis apontado.
- Toma, pode ficar.
O lápis era de uma campanha motivacional de uma academia, e tinha escrito nele em letras garrafais a frase "você consegue".
- Eu realmente gostava do meu cachorro, sabe? Não quis te ofender. Meu nome é Cauê.
Mas isso eu já sabia.
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O Que Eu Lembro
Ficção Adolescente5 adolescentes, uma cidade e o último ano da escola. *** "Eu segurei ela pela cintura enquanto sua mão estava descansando no meu ombro. Parecia que estávamos dançando, mas era tudo mais complicado que isso. - É uma droga, sabia...