• Coffee time •

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Após uma noite mal dormida devido a quantidade de pensamentos que estavam presos na minha cabeça, acordo o mais cedo possível (nem sei se posso usar o termo "acordar", pois, se for pensar assim, eu nem dormi) e, ainda de pijama e descabelada, desço as escadas só para descobrir que estava sozinha em casa. Grande parte das garotas que vivem na mesma república que eu tem aula ou de manhã ou de tarde, ou é no período integral, e elas geralmente nunca estão em casa. Bem, somente a Alya, uma menina que faz psicologia, e, dentre as garotas da república, pode-se dizer que ela é a minha "melhor amiga", tem aula de noite, como eu, e vamos na mesma van (temos preguiça de ir de carro, mas as vezes vamos). Só que ela tem namorado, e este mora na república de garotos que tem na frente da nossa, então, quando ela não está aqui, pode apostar que ela vai estar na casa do outro lado da rua. Vou até a cozinha e coloco café numa xícara, mas, na hora que vou tomar, quase o cuspo para fora. Olho dentro da xícara e vejo, literalmente, água e alguns pozinhos de café mal misturados. Marie, uma garota mimada aqui da república que faz pedagogia, com certeza havia feito o café, ela é a única que nunca consegue acertar, e ou as meninas são educadas demais pra dizer que o café está ruim, ou talvez elas nem tenham tomado café, porque sempre saem bem cedo. Aí sobra pra mim descobrir que o café está "intomável", da pior forma. Jogo todo o café na pia, e a lavo para que Marie pense que tomamos todo o café , e não jogamos fora. Deixar as pessoas magoadas não é de meu feitio. Penso em fazer o café, mas como sei que, se eu o fizer, só eu vou tomar porque não tem mais ninguém aqui para tomar comigo, e as meninas costumam chegar quando eu já estou na faculdade, decido ir com o carro numa cafeteria qualquer, até porque, não tinha nada para fazer hoje.
Subo de volta para o meu quarto, dessa vez com um pote cheio de folhas de alface, outro cheio de ração para gato e um potinho que contém ração para peixes. Quando abro a porta do quarto que divido com Alya, pois ela foi (e ainda é) a única que não reclamou de ter que dividir o quarto com um monte de bichos, vejo que meu gato preto, Chat Noir (que é gato preto em francês, porque imaginação é uma coisa que não temos) está deitado encima de meus travesseiros, se esfregando neles. Deixo o pote de ração dele perto do pote de água e da caixinha de areia, e ele, a esperteza em pessoa (ou seria em gato?)vai direto para o pote de ração.
-Bom dia para você também, Chat. - Sorrio o olhando, e ele solta um miado contente enquanto saboreia sua primeira refeição do dia. Vou direto para o aquário cheio de peixes de todas as cores e formas, e jogo uma quantidade de ração suficiente para todos eles, e, por fim, deixo o potinho de alface no pequeno "aquário aberto" de Amon, meu tigre-d'agua. Quando eu trouxe Amon para casa, Chat ficou enciumado e várias vezes eu o peguei encima do aquário de Amon, com suas garras afiadas apontadas para ele. Mas isso acabou quando Amon abocanhou o nariz dele enquanto ele tentava arranha-lo, e acho que doeu tanto que Chat nunca mais mexeu com Amon. É engraçado pensar nisso agora, mas, no dia, eu tive que mimar esse gato oportunista por mais de duas horas para que ele se acalmasse.
Jogo algumas roupas de Alya que estavam no chão encima da cama dela e consigo chegar até o guarda roupa, escolhendo uma roupa qualquer para sair, e, no final, me olho no espelho decidindo o que faria com a minha franja. Prendo-a de lado, não fica bom, prendo-a para trás, também não fica bom, coloco uma tiara e logo ela está jogada encima da cama de Alya, prendo o cabelo num coque e não fica bom, e então, finalmente, decido deixar ele ser rebelde e saio com ele solto mesmo, fechando a porta para que nenhuma das meninas leve um susto ao ver Chat Noir encima da cama delas, e olha que ele já foi em todas as camas daquela república e deixou um presente fedorento em cada uma delas. Nunca mais deixei a porta aberta.
Vou até a sala e pego a chave do carro de Alya, que dividimos, e então vou para a garagem, vendo o pequeno Palio cinza estacionado depois de dois carros. Sempre que ela estaciona, ela pega o pior lugar, parece que é como um método de tortura particular, porque ela sabe que, no outro dia, sou eu quem vou ter que tira-lo dali. Entro dentro dele, clico no controle para que a garagem se abra, e faço um esforço enorme para tirar o Palio dali, rezando para que ele não encostasse nem um pouco nos outros dois carros. Quando finalmente consigo, fecho a garagem e dirijo, tentando encontrar uma cafeteria que fosse boa. Passo por várias Starbucks, mas não sinto vontade em parar, porque queria algo diferente. E é então que vejo uma placa em que está escrito "Le Petit Café". Nunca tinha ouvido falar daquele lugar antes, mas, olhando de fora, ele parecia confortável e aconchegante. Estacionei o carro numa vaga perfeita, bem na frente do lugar, desci, limpando os pelos de gato que só agora eu tinha notado que estavam na minha calça e entrei, já notando que o local tinha ar condicionado, pois estava mais quente dentro do que do lado de fora. Bem na frente, já tinha uma lousa pequena no chão, em que estava escrito " I believe I can pie!!!". Ri daquilo, achando a coisa mais fofa do mundo, e comecei a reparar no lugar. As paredes eram feitas de tijolos escuros, e as pequenas lâmpadas caindo do teto que iluminavam o local deixavam ali com um ar rústico, as mesas e bancos de madeiras com o cardápio encima delas, algumas pessoas sentadas nelas estavam lendo, outras mexendo em seus notebooks, outras simplesmente saboreavam seus pedidos, tinha uma lousa na parede em que todos os preços e cafés estavam escritos à mão, e um senhor sorridente, com os cabelos brancos postos em pequenos tufos em sua cabeça, o óculos de leitura redondo pendendo em seu nariz, as bochechas avermelhadas, o avental por sobre suas roupas e uma expressão mais que amigável, recebendo o dinheiro das pessoas por trás do balcão. Achei o nome do café, e o lugar em si, um lugar confortável, em que você poderia fugir de tudo e de todos, já que eles estavam bitolados demais com as famosas Starbucks para sequer notarem um café tão incrível como esse. Acomodei-me em uma das mesas de madeira, e me peguei olhando o cardápio, deixando um dos livros,que eu tinha sempre na bolsa, "Perdido", da série Os Lobos de Mercy Falls, encima da mesa enquanto eu via os preços e a quantidade de café e outras bebidas, sem contar as milhares de opções que se tinha para comer.
-Posso anotar seu pedido, moça? - Não precisei levantar os olhos do cardápio para reconhecer aquela voz que ficou nos meus pensamentos a noite inteira. Mas, mesmo assim, levantei os olhos para olhar a figura que estava parada em minha frente, com o mesmo avental que o senhor do caixa usava, a blusa verde debaixo dele, a calça jeans e os tênis surrados, os olhos verdes concentrados no bloquinho que tinha em suas mãos e os cabelos loiros levemente bagunçados na frente de seus olhos. Continuei ali, com o cardápio cobrindo meu rosto, só não a parte de meus olhos, e senti minhas bochechas esquentarem, sabia que, se eu me visse no espelho, elas estariam inteiras vermelhas. Era Adrien,o garoto em que meu cachecol ficou preso na noite passada na faculdade, o dono da voz que estava na frente da minha mesa. Tive que me forçar a falar alguma coisa, porque meu cérebro só sabia me mandar ficar quieta e me fingir de morta.
- Hã... Eu... Gostaria de... Um ... Cappuccino normal, por favor. - As palavras sairam devagar porque eu estava praticamente engasgando com elas. Meu peito parecia que ia explodir de tanta vergonha. De todos os lugares dessa cidade conhecida como "A Capital do Amor" (Paris é conhecida assim mundialmente, não é delírio meu), eu tinha que parar ali, naquele pequeno café daquele pequeno bairro, e dar de cara com a pessoa misteriosa que domou meus pensamentos na última noite e me impediu de dormir. Eu devo ser uma garota muito, muito sortuda mesmo viu, porque olha.
Ele, então, levantou os olhos e me olhou, parecendo reconhecer minha voz. Abriu um sorriso tímido.
-Marinette, não é? A garota do cachecol. - Quando notei que ele lembrava meu nome, eu já não sentia mais as minhas pernas de tão nervosa e embasbacada, e meu cérebro estava totalmente branco, eu tinha perdido até a noção de falar, então apenas meneei a cabeça em um sim, odiando aquela atitude patética. Ele apenas sorriu divertidamente- Um cappuccino normal então. Mais alguma coisa? - Meneei a cabeça em um não, e ele sorriu fraco- Muito bem. Seu pedido logo chegará. Aguarde só um momento. - Quando ele sai dali, inspiro forte. Eu não tinha percebido que, na presença dele, eu segurei a respiração, só notei agora que precisei respirar.
Adrien foi para trás do balcão preparar o café, e meu cérebro só conseguia pensar que eu ia beber um café que o Adrien estava preparando. Como eu podia ser tão idiota? Eu nem conhecia ele e já estava babando por ele. Mas, então, notei que aquela não era a primeira vez que eu tinha visto Adrien. Nem ontem na faculdade. Abri minha bolsa e remexi nela até encontrar a revista que Alya tinha colocado ali semana passada, e então notei que Adrien estava na capa dela. Ele era modelo e filho de um dos estilistas mais renomeados da cidade de Paris, Gabriel Agreste. Mas, então, o que ele estava fazendo trabalhando ali ?
Olhei novamente para ele, decidindo que ele era um mistério ainda maior do que eu pensava que fosse, e desisti de ler o livro, pois estava criando histórias bem mais fantasiosas em minha mente que tinham um único personagem principal: Adrien Agreste. Fiquei reparando nele enquanto ele fazia o cappuccino, e só desviava o olhar quando ele levantava os olhos verdes cativantes para me olhar. Depois de um tempo ele veio trazer o cappuccino para mim, e eu o tomei bem devagar, na tentativa de ficar um pouco mais de tempo ali naquele cafe, fazendo anotações em meu bloquinho sobre aquele garoto misterioso. Meu celular vibrou encima da mesa, e quando fui olhar, notei que era uma mensagem de Alya que dizia "Cade você? Preciso do carro". Bufei, justo hoje ela precisava do carro. Terminei meu cappuccino e levantei da mesa, indo pagar com o senhor, tentando não olhar muito para Adrien.
-Eu nunca te vi aqui, e costumo conhecer todos os clientes que vem ao meu café. - O senhor que estava do outro lado do balcão falou quando eu entreguei a minha conta para ele. - É uma cliente nova, só pede um cappuccino e vai embora sem nem provar a especialidade da casa? Ah, não posso deixar isso acontecer, você não acha Adrien? - Ele sorri se voltando para Adrien, que estava do lado dele, enquanto eu sentia minhas bochechas queimarem, já estava ficando vermelha novamente.
- Sim, eu acho. Ela tem que provar da nossa torta. - Ele sorri me olhando, e meu coração parece parar por alguns segundos.
- Senhor, eu sinto muito mas acredito que não tenho dinheiro para pagar mais do que um cappuccino. - Com vergonha e tentando controlar minha voz, olho decepcionada para o senhor atrás do balcão.
-Tudo bem. A torta fica por minha conta desta vez, só se você prometer que vai voltar mais vezes. -Adrien sorri para mim, e, sentindo que minha voz estava travada de novo, só meneio a cabeça, e ele sorri mais ainda, se isso é possível, e sai para buscar a torta.
Fico esperando alguns minutos, ignorando as mensagens constantes e irritadas de Alya, quando Adrien chega com a torta. Noto que tem mais garotas ali suspirando por ele, e, ao ficar o olhando por muito tempo, decido que é impossível não suspirar por Adrien. Ele é... Muito encantador. - Aqui está - Ele entrega a torta em minhas mãos, e fico o olhando nos olhos, esticando os braços para pegar a torta. Não fale nenhuma besteira Marinette, por favor fique calma fique calma fique calma se controle. - Espero que aproveite. E que venha mais vezes.
- Pode deixar, eu virei. Você é lindo. - Aquilo sai da minha boca sem que eu perceba, e coloco as mãos em meu rosto, envergonhada- Eu quis dizer que aqui é lindo. Vou voltar. Preciso ir. Tchau. Obrigada pela hospitalidade. E pela torta!. - Falo o mais rápido possível e saio quase correndo da cafeteria, ouvindo a risada cativante de Adrien. Quando me viro para olha-lo por uma última vez , ele estava me olhando. Meu coração quase pula do peito, e ficamos um tempo nos encarando. Então, entro no carro, coloco à torta no banco de passageiro e vou embora.
Afinal, depois do cachecol, e da coincidência do café, o que mais poderia acontecer que fosse além disso?

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