Capítulo 3 - Primeiro Amor

9 1 0
                                    

A NOITE Está escura, não como sempre foi, porém mais do que o normal. Ele, mesmo sem querer admitir, continua pensando na garota. Em como ela consegue ser interessante e irritante ao mesmo tempo.

Durante uma semana difícil na escola, com provas e mais provas capazes de estressar qualquer um, Micael fica de saco cheio de tudo e de todos. Não somente pelo motivo de sua conversa com a nova vizinha não ter ido lá muito bem, mas por perceber que os colegas de escola estavam se tornando apenas colegas. Não é lá muito difícil pra um garoto de 12 anos chegar nessa conclusão. Mesmo com sua clara ingenuidade, o ser humano desde cedo consegue perceber quando tem algo de errado acontecendo.

Na volta pra casa, na desesperança de que seria mais uma tarde comum de uma rotina que o perseguiria pelo resto da sua vida, viu que tinha visita. Claro que não era pra ele, apenas um colega de trabalho do pai. Micael viu que era uma conversa nada interessante, de companheiros de trabalho falando sobre suas rotinas tediosas. Conversas das quais os adultos pareciam gostar e os adolescentes fugirem. Mas ele permaneceu onde estava desde que chegara. Não fez menção de que iria entrar, espalhar suas coisas pelo quarto, guardar sua farda escolar e tomar um banho. Apenas ficou ali, observando. Apenas aceitou que aquilo acontecesse. Mal se dava conta de que essa não seria a primeira vez que faria isso na vida.

Antes da visita ir embora, alguma coisa começou a inquietá-lo. Algo o estava tirando a atenção da conversa do pai - o que não era nada difícil, já que a conversa não tinha conteúdo pra realmente prender um ser humano que tenha um ouvido funcionando e uma infinidade de outras coisas para poder ouvir -. Quando se deu conta do que era, um sorriso tímido e novo começou a se esboçar no canto dos lábios. Sua vizinha ruiva quem o estava chamando a atenção. Algo como "Psiu, ei menino!" e "Eiiii, aqui!!!". Com toda a certeza, ser discreta não estava na lista de "Como iniciar uma conversa com um garoto" dela. Micael, tomado pela curiosidade, empolgação e sentimentos confusos misturados, não fez cerimônia pra ir até ela. Claro que ele não queria que aquela "coisa" entre eles acabasse no outro dia, mas sabia que não tinha muita escolha e que seria insensato continuar insistindo.

- Oi. - disse Micael assim que se aproximou.

- Oi.

- ... - Ele a olhou intrigado.

- ... - Ela o devolveu o olhar.

- Ahhh, é sério? Você me chamou aqui pra fazer com que eu me sinta constrangido por você não se sentir constrangida por não ter nada a dizer?!

- ...

- Vou embora. - Micael disse, visivelmente decepcionado, enquanto dava as costas com relutância para a sua talvez não mais tão interessante vizinha.

- Eu não sei o que devo dizer. - disse ela, por fim.

- Não dizer nada já ajuda muito. - disse Micael, voltando-se pra ela novamente animado.

- Eu sei.

- Acabei de comprovar o quanto você sabe. - zombou Micael.

- Só queria me desculpar pelo outro dia. É que quando me mudei pra cá com minha mãe há um mês, ninguém tomou a iniciativa de conhecer os novos vizinhos. Ninguém está sendo muito amigável por aqui.

- Tenho minhas sérias dúvidas se ninguém realmente tentou ser amigável! - zombou Micael mais una vez.

- Nãooooo. Não estou falando de você. Só não esperava que você fosse vir até mim daquela maneira. - confessou ela.

- Vou me lembrar de chegar em cima de uma XJ6 da próxima vez!

- Ha haaa, engraçadinho! - e essa foi a primeira vez em que ele a viu rir. E o riso dela era dos mais sinceros. Daqueles que você lembra antes da hora de ir dormir, e te faz sorrir ao levantar.

- Você não facilitou pra mim no início. Não espere que agora eu faça o mesmo. - disse Micael com firmeza, mas retribuindo com um sorriso ainda mais largo do que o dela.

- Me dá um tempo. Agora você também não está sendo muito amigável. Já disse que esses dias não tem sido fáceis pra mim, como esperava que eu fosse te receber com flores?

- Talvez tenha sido esse o problema, poderia ter trocado as flores por uns salgadinhos e chocolate. Se compra qualquer amizade com comida! - Micael, a essa altura, sentia que estava ganhando espaço com aquela garota. Um espaço que ele não tinha certeza se seria cedido novamente, mas que ele não se perdoaria depois de ter estragado tudo e não ter aproveitado o momento.

- Ahhh, sim, senhor. Como não pensei nisso antes. Eu poderia ter feito uma pipoquinha e chamado umas pessoas pra assistir um filme. Quem sabe até mesmo ter feito ingressos pra isso? Melhor, eu poderia ter transformado isso no evento do ano, com cobertura ao vivo na Tv em todas as emissoras e rádios. - logo, pegou o ritmo do sarcasmo de Micael, o que o fez dar uma risada alta e estrondosa.

- E contratar palhaços de circo também!

- Sim. E uma fonte onde emana chocolate!

- E depois levaria todos os convidados pra casa de limusine!

- Ahhh, com certeza. Meus convidados merecem todos do bom e do melhor! - Breve se renderam a risadas longas e sinceras, como nenhum dos dois vinham experimentado ultimamente.

Quando a conversa acabou, Micael entrou definitivamente em casa. Havia anoitecido num piscar de olhos. A última coisa que olhara ao entrar foi o sorriso da garota que acabara de finalmente conhecer. Algo que fez com que o dia dele não fizesse mais parte dos dias quaisquer. Algo que fez com que aquele dia fosse expulso da rotina desesperançosa que achava que o perseguiria pelo restante da sua longa e chata vida. Dessa vez, ele estava animado. Os problemas que o cercavam pareciam ter cessado fogo por um breve momento. Sim, era isso que definia bem aquele momento. Um cessar fogo. Uma bandeira branca que tinha endereço, sexo e identidade. E o melhor, morava do outro lado da rua. E o seu nome era Scarlet.

Lembre-se de MimOnde histórias criam vida. Descubra agora