Parte 1 - Aaron

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Aaron se envolveu com a rede de tráfico em Kibera quando ainda era uma criança. Desde pequeno já levava jeito com os aparelhos eletrônicos. Sabia entrar e sair da Uberrede como um Hacker de primeira. Essas habilidades faziam dele um mal necessário aos traficantes, ou nesse caso, um bem necessário, pois Aaron não era uma pessoa má. O que ele fazia podia até ser contra as regras. Mas, sabia que quem faz as regras, não são as pessoas que vivem elas.

– Cara, você vai conseguir marcar os locais de entrega do produto, ou vai ficar aí vendo pornô 3D? – Perguntou um dos traficantes.

– Você não entende! Eu preciso trafegar por trás dos sites pornôs para que os tiras não sigam nosso rastro, você prefere rapidez ou eficiência? – Respondeu Aaron, sem tirar os olhos da interface. Um holograma apresentava códigos complexos em meio a partes de mulheres seminuas com partes do corpo desproporcionais entre si.

Aaron era amigo desse traficante, chamado Kimani. Os outros traficantes já eram mais velhos e justamente por isso nenhum se interessava por "esse negócio da Uberrede", diziam: "quero mais é ficar na minha", "não quero perder meu tempo com isso". Desse modo, os trabalhos online, ficavam com Aaron.

Kimani só via metade do corpo de Aaron e seus dreadlocks, o resto parecia ser engolido pelas luzes da holografia.

Após o incidente com a polícia, em 2512, que culminou na caçada ao líder do tráfico conhecido como Valker Kipsang, as coisas ficaram bastante bagunçadas em Kibera.

No início, alguns policiais corruptos tentaram assumir o tráfico, mas a falta de conhecimento da vida na favela fez com que o "Império" quebrasse em várias gangues pequenas. Aaron nem era nascido quando tudo aconteceu, mas aprendeu sobre a história, pois era o que os professores chamam de "aluno voraz".

Sua escolha pelo crime não foi justa, sua família era pobre e sua mãe sofria com a depressão. Por isso, Aaron precisava dos remédios que só os traficantes tinham.

Ele tinha uma irmã mais velha e lembrava pouco de seu pai. Sabia que era um homem bom e que morreu protegendo a família. A lembrança desse dia era forte nele.

Hoje Aaron marca os encontros para a troca de "produtos", como os traficantes chamam. Esses "produtos" vão desde armas, drogas, pessoas e informações. Esse último é o que dá mais dinheiro. O hacker não se envolve com os conteúdos, o que para Aaron é bom, pois evite que ele se ligue emocionalmente com o trabalho.

O programa que Aaron usava para marcar os encontros tinha que cumprir uma rotina complexa. Além de alternar com endereços de IPs no mundo todo, pois a Investigação Digital hoje em dia estava muito avançada. Ele usava os sites pornôs e de relacionamentos, porque devido à quantidade de propagandas, vírus e distrações que havia nesses sites dificultava o rastreio.

Ao concluir sua tarefa, que era mais difícil do que seus chefes pensavam, ele desligou todo o aparato tecnológico, cabos, placas e muitas outras tralhas e sucatas que só mesmo ele reconhecia como computador Franquenstain de alto desempenho.

Seguiu montado em seu Magleve pessoal. Aproveitando-se dos velhos trilhos, da tentativa de transporte público, que cortava mais da metade de Kibera.

A política em Kibera dividia-se entre as gangues na parte centro, sul e leste. E as ONGs que já haviam se estabelecido nas zonas norte e oeste. O processo de erradicação da pobreza ocorrido no séc. XXIII tinha melhorado a vida das pessoas, mas de tempos em tempos a corrupção estraga o que as boas políticas tentam consertar. Mesmo assim as coisas andavam razoavelmente bem para o povo de Kibera. Era uma comunidade pobre isso ninguém negava, mas como as inovações eram rápidas e o mercado precisava sempre se reabastecer. Em períodos cada vez mais curtos, o que era lixo por estar apenas seis meses desatualizado ajudava muito a população da favela. É evidente que havia muito lixo que era lixo mesmo, nas ruas da favela, mas um bom garimpeiro poderia encontrar coisas muito boas.

Quando chegou a casa, através dos trilhos periféricos improvisados pela própria população, Aaron saltou do veículo. Encaixou seu staffkey num buraco que havia no chão ao lado da porta, que se acendeu em algumas ranhuras. Girou-o levemente e o retirou. As luzes espalharam-se pelo entorno da porta que, ao final de todo o espetáculo, abriu-se. Antes de entrar avistou uma tira de papel com escritas em braile. Como as linguagens de acessibilidade foram superadas pelos implantes neurais, poucas pessoas as conheciam, tanto o braile como as de sinais. Apenas comunidades muito pobres as mantinham vivas, pois não podiam pagar pelos implantes e ainda tinham filhos que precisavam se comunicar. A mensagem dizia: "Moses está na cidade, mandei-o procurar por você. Por favor, tome conta do nosso irmão!".

– Espero que você saiba o que está fazendo Miriã.

Moses e AaronOnde histórias criam vida. Descubra agora