No dia seguinte ao "choque" com a garota do moletom verde, dei-me conta de que precisava comprar uma câmera. Saí de casa às sete horas, pensando em não me atrasar, pois, aos sábados, era eu quem deveria abrir a cafeteria e às oito em ponto tudo deveria estar arrumado e funcionando e, como eu havia acompanhado o dono ao abrir o estabelecimento na terça e na quinta, já sabia o que deveria ser feito. No início, estranhei o horário de sábado porque nos dias de semana abríamos às 6, mas, pensando melhor, não é de todo sem sentido, pois, afinal, quem em pleno juízo sairia de casa às 6 horas da manhã de sábado apenas para tomar um café?
Peguei um ônibus e fui ao outro lado do bairro da cafeteria, onde havia uma lojinha de antiguidades que eu bem conhecia por sempre ter tido um amor reprimido por coisas velhas. De lá, comprei uma Câmera Polaroid e todos os relativamente poucos rolos que haviam para ela na loja. Por isso, eu sabia que deveria usar minha mais recente aquisição com cautela, já que as possibilidades eram muitas e a quantidade de fotos possível, restrita.
Faltavam exatamente 18 minutos para as 8 horas quando aproximei-me da cafeteria e avistei um carro prata e duas pessoas esperando próximo à porta. Corri e entrei pelos fundos, coloquei meu avental e algumas coisas dentro do bolso dele, acendi as luzes da cozinha e do balcão, liguei as máquinas, desci as cadeiras que ainda estavam em cima das mesas devido à arrumação do dia anterior e fui em direção à entrada. Aproximei-me da porta e consegui ouvir vozes no meio de uma conversa.
- ...só mais um pouquinho, Mel! Já devem estar abrindo e eu preciso de café. - Um garoto ruivo, abraçado à cintura de um loiro, implorava. Eles me fizeram sorrir, parecia um cachorrinho carente pedindo um biscoito ao dono.
O Mel, que falava ao telefone, olhou ríspido para o outro e continuou a afirmar com a cabeça, ouvindo atentamente o que era dito do outro lado da linha.
Estreitei-me à janela ao lado da entrada e tirei uma foto através do vidro. O loiro, que percebeu minha presença, olhou raivoso e eu tive que fingir não tê-los visto antes e que meu objetivo era apenas abrir a janela.
- Bom dia! - Falei no tom mais amistoso o possível.
- Vocês já vão abrir? - O "cachorrinho" perguntou ansioso e eu afirmei com a cabeça.
Abri a porta, o que fez com que o sininho tocasse, e pouco depois eles trancaram o carro e entraram. Enquanto Mel caminhava até uma mesa mais distante do balcão, o outro veio até mim para fazer os pedidos.
- Vocês têm mocha?
Afirmei. Mocha é cappuccino com calda de chocolate, mas todo mundo gosta de falar difícil.
- Quero um desses e um expresso, por favor. - O ruivo disse sorridente e olhou para o Mel, que estava sentado ainda falando ao telefone com os olhos voltados para a janela ao lado da mesa. O loiro tinha uma beleza excêntrica, algo diferente que o fazia lindo, dando a impressão de ter saído diretamente da capa de uma revista de adolescentes ricos. Tudo que ele fazia, cada posição, cada gesto eram dignos de uma foto. Devido à distância não pude ver, naquele momento, a cor de seus olhos, mas não pude continuar tentando descobrir, pois o outro chamara minha atenção.
- Ele é lindo, não é? - Ele disse, provavelmente percebendo meus olhares enquanto eu preparava a máquina do expresso. - É meu namorado, o Mello. - Acrescentou, desvencilhando do sorriso tão bonito que tinha e sentando-se no banco do balcão (onde normalmente ficavam, como eu descobri mais tarde, as pessoas solitárias que queriam conversar).
No momento em que ele se sentou, pude sentir um perfume diferente. Talvez, porque a cafeteria foi recentemente aberta e estava limpa, sem cheiro algum de café, o perfume predominou no balcão. Era algo amadeirado, mas doce; seco e extremamente suave.
- Ele fica ainda mais lindo quando não está com essa cara amarrada. - O ruivo disse, tirando-me do devaneio de tentar descrever o perfume e me obrigando a voltar o foco para o Mello que, realmente, não parecia estar muito contente com a conversa que estava tendo.
O ruivo também tirou, além da minha concentração, um cigarro do bolso, acendendo-o em seguida. Evidente que sei que é estritamente proibido fumar em ambientes fechados, mas depois da primeira tragada o rapaz relaxou, como a menina do moletom verde com o café, e eu não de atreveria a privá-lo daquilo que parecia ser a única saída para ele.
- Ei, desculpe, eu poderia pedir sua ajuda? - Eu disse, tentando sair daquela situação tensa. - Eu trabalho aqui tem pouco tempo e ainda não sei fazer esse mocha que você disse.
Ele sorriu e jogou-se para frente para ver as máquinas que haviam atrás do balcão. O "cheiro amadeirado", que então era tabaco, ficou bem mais forte e quase acabou com a doçura de antes. Começou a falar, passo a passo, como era o preparo de cappuccino com chocolate e pediu acréscimo de calda.
- Ninguém vem trabalhar com você pela manhã? - Ele perguntou quando eu terminei de preparar as bebidas e coloquei no balcão para que ele as levasse consigo para a mesa.
- Tem uma menina... - Eu disse devagar, prestando mais atenção no ruivo. - Mas ninguém vem tão cedo aos sábados por causa do... - Olhos azuis, ou seriam verdes?, cabelos grossos e uma espécie de óculos de proteção pendendo no pescoço. - ... pouco movimento. - Usava uma blusa de frio listrada e luvas de couro nem tão necessárias, já que estavam de carro e não fazia tanto frio assim.
Ele se levantou, mas continuou de frente para o balcão, com os dois copos em mão e o cigarro entre os dedos, na iminência de cair.
- Muito obrigado, se tudo der certo, voltamos aqui mês que vem.
- Se Deus quiser. - Mello disse, aproximando-se. Colocou o dinheiro no balcão, pegou seu "mocha" e saiu sem olhar para trás, apenas deixou a porta aberta.
O cheiro doce era dele, notei. Particularmente, aquele aroma destoava da personalidade um tanto rude do rapaz, que era um tanto contraditório: era loiro, com um chanel loiro com franga, moldando o rosto delicado, e os olhos eram do azul mais claro que eu já havia visto, que seriam angelicais, se não fossem assustadoramente frios.
O ruivo lançou-me um olhar triste ao seguir Mello e eu sussurrei um "espero vocês mês que vem" que o vez sorrir fraco.
O sino tocou mais uma vez e a quietude do restante da manhã fez com que eu me empenhasse em uma faxina caprichada do lugar.
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Histórias de uma Cafeteria
FanfictionExpresso, cappuchino, com leite, descafeinado, sem açúcar. Loiros, rebeldes, bancários, assexuais, tímidos, ingleses. Tipos diferentes de café para diferentes pessoas. Cada qual com suas preferências. Há quem goste de experimentar e há quem tenha se...