Third

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"Algum dia de 2012

Faz pouco tempo que eu estou na escola nova e já sou obrigado a ouvir piadas. É sempre a mesma coisa.
Ando pelo refeitório com minha bandeja nas mãos, olho ao redor e não tenho nenhum amigo que eu possa sentar e nenhuma mesa parece estar vazia no momento. Enquanto fico parado procurando por uma oportunidade para sentar, ouço algumas risadas atrás de mim e quando me dou conta do que estava acontecendo minha bandeja já estava no chão. Um dos garotos populares derrubou ela e agora todos estão rindo de mim.
- Viadinho. Marica. Mocinha. Vai chorar agora? Se correr para mamãe eu conto o que todos nós sabemos.
Meu rosto fica vermelho e meus olhos se enchem de lágrimas. Por que eles são tão ruins comigo? Eu não fiz nada.
Um deles me empurra com força, ele era bem mais alto e mais forte que eu, talvez até mais velho. Caio no chão e demoro um pouco para me levantar, mas ouço uma voz desconhecida, de uma garota que está se dirigindo para o rapaz que me agrediu.
- Se você tem amor pela sua vida eu recomendo a nunca mais mexer com ele, entendeu? Olha o seu tamanho, seu idiota
Ela me pegou pela mão e me ajudou a me levantar.
- M-meu nome é Lucas... - Finalmente consigo encara-lá e observar seus traços. Cabelo preto, pele pálida e bastante durona
- Meu nome é Ravena, vem comigo, quero te apresentar os meus amigos."

- Lucas
Ando em direção à biblioteca para pegar alguns livros quando o encontro no meio do caminho. Chamei seu nome e ele simplesmente continuou andando, fico sem entender mas quando olho para os lados descubro o porquê. Vejo seus amigos no fim do corredor esperando por ele. Me escondi atrás de uma prateleira e respirei fundo, se eles me vissem o chamando voltariam a fazer as mesmas piadinhas que eu ouvia quando eu era mais novo, coisa que eu já me livrei a alguns anos. Eles trocam algumas palavras e consigo ouvir ele pedindo para o esperarem  em algum lugar pois ele precisa buscar um livro na biblioteca e essa seria a oportunidade perfeita para nós.
Espero os amigos dele se afastarem e chego por trás, passando meus braços pela sua cintura e sendo invadido pelo seu delicioso cheiro e calor.
- Bom dia, amor - Percebo a sua surpresa quando ele quase da um pulo, talvez ele tenha apenas se assustado mas acho que na verdade estou errado.
-Ficou louco? Quer que eles nos descubram? - Ele diz e se dirige para um local mais afastado na biblioteca me puxando pelo braço com força
-Desculpa... Eu senti saudades. Por que temos que viver toda essa mentira? Eu realmente gosto de você, eu não quero estar com você apenas quando as cortinas se fecham, as luzes se apagam e não tem ninguém por perto. Eu quero você por inteiro. - Falo e nesse momento sei que estou fora de mim.
- Eu já te disse o porquê. Se todos descobrirem minha vida vai virar um inferno, meu anjo. Você sabe que eu queria poder ficar com você, mas como? - Ele fala acariciando meu rosto com a mão, daquela maneira que ele fazia quando queria me convencer de algo. Mas não dessa vez.
- Ficando, simplesmente. Sendo homem e assumindo o que sente por mim. Mas que porra, quando você me toca não sente vergonha, quando me beija eu sinto o calor e o sentimento que você guarda aqui.- Digo tocando o peito dele com a minha mão. Sinto meus olhos se encherem de lágrimas e algo tão grande queimando dentro de mim. Por que ele simplesmente não assume e termina com ela? Foda-se o que vão pensar, juntos nós podemos superar isso. Eu amo ele. Mas ele tem vergonha de mim e isso dói.
- O que foi? Tem vergonha de ser como é, vergonha de estar comigo?- Digo e as lágrimas ameaçam cair mas logo as seco com as mãos.- Tem medo do seu papai? Ou dos seus amiguinhos?
-Cala a porra da sua boca! - Ele diz isso quase chorando e dá um tapa na minha cara, maior que a dor do tapa foi a dor que eu senti dentro de mim, queimando e crescendo fazendo que meu rosto fique praticamente anestesiado. Não consigo chorar, não consigo pensar. Ouço uma última coisa quando dou as costas para ele
-Eu não te amo e não vamos ficar juntos.
O ódio me corrói e eu acabo me virando para dizer algumas verdades
- Não foi isso que você disse ontem no vestiário enquanto me comia, não é mesmo? Foda-se se você não tem coragem de assumir quem é, mas fique sabendo que eu sei quem você é de verdade, você pode esconder de todos mas eu sei.
Saio andando e ele não vem atrás de mim. Meus passos são pesados como meu coração no momento.
Acho que uma parte de mim acabou de morrer. Sinto uma dor tão forte que chego a pensar que a dor da morte não deve ser nada perto disto. Mas que merda, perdi o amor da minha vida porque ele tem vergonha de ser quem é.

- Ravena
Chego da escola e ao abrir a porta de casa já ouço a briga acalorada dos meus pais, nada fora do comum.
Ando até o meu quarto, jogo a mochila em cima da cama e como de costume vou ao quarto do meu irmão, ele tem apenas quatro anos e não sabe lidar com o inferno que é a nossa casa.
O procuro de lugar em lugar dentro do quarto e o encontro sentado no chão atrás da porta, chorando. Seu olhar perdido encontra o meu e consigo ver um pequeno alívio passar por sua expressão. Eu já fui a criança perdida no meio disso tudo, mas eu não tinha ninguém para me ajudar. Ele tem a mim e eu faço qualquer coisa pelo meu pequeno Daniel.
Sento ao seu lado e dou um forte abraço no menor, beijando o topo de sua cabeça e dizendo baixinho palavras que eu mesma gostaria de acreditar
- Vai ficar tudo bem, meu anjo, tudo isso vai passar, eu estou aqui.
Ele força um sorriso em minha direção e eu apenas o seguro em meu colo e o levo para cama, ligo uma música calma no meu celular alta o suficiente para abafar a discussão que parecia só piorar e me deito ao seu lado. Enquanto acaricio sua cabeça, começo a fazer o mesmo ritual de toda discussão, início a primeira história infantil que passa pela minha cabeça que por coincidência era uma das histórias que a vovó me contava antes de dormir.
Sinto tanta saudade da vovó, ela era o equilíbrio no meio do caos, era a única pessoa que eu tinha. Depois eu encontrei uma outra pessoa mas ela não permaneceu por muito tempo. Agora eu sou tudo o que o meu irmão tem e ele é tudo o que eu tenho, eu sou a força dele e ele é a minha força.
- ... Com o machado, João cortou o tronco, que caiu com um estrondo. Foi o fim do gigante. E todas as manhãs, a galinha põe ovos de ouro e a harpa toca para João e sua mãe, que viveram felizes para sempre e nunca mais sentiram fome.
Quando vejo que o pequeno pegou no sono, desligo a música do celular, dou um beijo em sua testa e vou para o meu quarto. Com milhões de pensamentos em mente fecho meus olhos e pego no sono.

- Ravena?
Ouço meu nome diversas vezes e eu reconheço aquela voz. Sinto uma mão deslizar pelo meu corpo, ela estava aqui para me perturbar como ela faz todas as noites quando me deito.
- Eu te amo
Não, não... você não me ama.
Sento na cama e me viro em sua direção, lá estava ela, em seu vestido preto e cabelo solto. Como sempre feminina e delicada, mas ao mesmo tempo forte e sedutora.
Ela senta em meu colo e eu perco o fôlego.
- O que você quer? - Digo tentando controlar a minha respiração e não obtenho resposta. Suas mãos seguram a minha nuca e seu rosto se aproxima do meu selando meus lábios longamente e com um sorriso malicioso ela aprofunda o beijo, ela sabia que me tinha em suas mãos e se aproveitava disso. Não houve chance para eu me afastar, não houve chance para não retribuir pois meu corpo relaxava ao seu toque.
Envolvo sua cintura com minhas mãos e diminuo ainda mais a distância entre nós, a tornando inexistente.
- Por que você sempre vem aqui e faz isso comigo? Por que sempre me tortura dessa maneira? - Digo finalmente conseguindo cortar o beijo
- Eu quero você...
Ela diz isso e leva uma de suas mãos à alça do seu vestido. Tirou uma e em seguida tirou a outra. Seus seios cobertos apenas pela fina camada do sutiã.
Fecho meus olhos e sussurro em minha mente: "isso é um sonho, é apenas um sonho, acorda".
Abro meus olhos e com o coração saindo pela boca olho ao redor e eu estou sozinha em meu quarto. O sentimento de vazio me preenche, parte de mim deseja que tudo aquilo tivesse acontecido e a outra só quer fugir de tudo isso.
Os sonhos voltaram...

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