Hoje é o dia do meu casamento. Olho do espelho, respiro fundo. Hoje é o dia do meu casamento, repito. Meu coração está batendo tão rápido que eu consigo escutá-lo nos meus ouvidos. Continuo me encarando no espelho e não me reconheço. Estou tão linda! Meu vestido de noiva é marfim rendado de mangas compridas. Não posso ver agora no espelho, mas atrás o decote é em V. Ajeito o fino cinto na minha cintura pela décima vez hoje, tentando inutilmente me acalmar.
Há cinco minutos o meu quarto estava cheio de gente. Maquiadora, fotógrafo, três amigas, minha mãe, a cerimonialista. Pedi para todos me darem cinco minutinhos sozinha e fingi não reparar nos seus olhares intrigados e preocupados. Sim, preocupados. Há uns três dias eu não tenho conseguido dormir direito. Além dos detalhes finais da festa que fiquei resolvendo com a cerimonialista, tenho andado com a cabeça cheia.
Não que eu não ame meu noivo, Eri. Amo esse homem como nunca amei ninguém na minha vida e tenho certeza que ele sempre vai fazer de tudo para sermos felizes juntos. Então por que eu estou tão receosa? Eri não é um homem normal, se é que eu posso dizer isso. Externamente ele é um cara como qualquer outro. Qualquer outro cara que seja lindo, educado e inteligente.
Lembro até hoje do nosso início de namoro. Começamos com amizade, porque ele era sete anos mais novo do que eu. Conforme fomos nos conhecendo melhor, ele contrariou todas as expectativas sobre como um garoto de dezenove anos deveria se comportar. Logo eu acabei me apaixonando por ele e começamos a namorar. Tivemos um ano de namoro dos sonhos. Ele era incrivelmente inteligente e eu aprendi tanto com ele! Ele sabia tanto sobre músicas antigas, conhecia tantos livros incríveis, tinha tanto conhecimento sobre história e cultura. Ele era incrivelmente maduro, paciente e cavalheiro. Eu estava vivendo meu conto de fadas.
No dia seguinte ao nosso aniversário de um ano de namoro, ele apareceu muito nervoso dizendo que precisava conversar comigo. Ele me contou toda a verdade que ele tinha escondido de mim por um ano inteiro. Ele me disse que tinha 122 anos. Minha primeira reação foi rir. Ele insistiu, falando coisas estranhas sobre lendas e deuses. Confesso que não me lembro de quase nada do que ele me disse naquele dia, pelo simples fato de estar desconfiando seriamente que ele estava alto nas drogas. Diante da minha falta de reação, acredito que ele tenha notado minha descrença na sua história e resolveu me levar a uma pousada. Lá eu conheci a primeira Lenda entre as tantas outras a quem eu já fui apresentada.
Conheci um rapazinho moreno de cabelos vermelhos. Ele parecia um indiozinho, meio baixinho. Eri o apresentou como o Curupira. Lembro de juntar todas as minhas forças para não sair correndo e nunca mais voltar. Eu estava tão anestesiada pela surpresa que só fui sentir medo quando cheguei em casa. Antes de se despedir de mim naquele dia, percebi um olhar muito triste em Eri. Ele tinha certeza de que eu terminaria com ele. Vê-lo tão desolado me partiu o coração em milhões de pedacinhos. Reuni toda minha determinação para ser firme ao dizê-lo que não tinha ficado com medo e que não queria terminar com ele.
Quando eu cheguei em casa naquela noite, finalmente me permiti sentir tudo o que deveria sentir e me vi apavorada. Tive pesadelos com as lendas mais horripilantes que eu me lembrava da minha infância. No dia seguinte, parei para pensar em Eri. Meu namorado de mais de um século de vida. Um homem que não poderia envelhecer nunca. Senti vergonha de mim mesma ao perceber que senti medo do meu próprio namorado. Ele nunca tinha feito nada para me machucar em um ano de namoro, mas mesmo assim fique aterrorizada com a ideia de que ele não era o que eu achei que ele era. O que era ele? Homem ou Lenda?
Precisei de quase uma semana para colocar meus pensamentos em dia. Pensei no ano maravilhoso que tive ao lado dele, do quanto ele acrescentou na minha vida e no quanto fomos felizes juntos. Decidi fingir que nunca tinha tido medo nem nenhuma dúvida sobre nosso namoro. Fingi ser mais corajosa do que sou. Em troca da minha bravura, percebi um Eri bem mais solto e mais feliz. Ele passou a compartilhar muito mais coisas da vida dele comigo e a me convidar mais vezes a passar mais tempo com seus amigos. No ano seguinte a grande descoberta, fomos ainda mais felizes do que no ano anterior.
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Todos os Dias de Nossas Vidas
Short StoryPrometer que você vai viver ao lado da mesma pessoa "até que a morte os separe" não pode ser uma decisão fácil para ninguém. Ainda mais se o seu noivo tem uma vida... diferente. Eri e Andrea estão com o casamento marcado, mas muitas dúvidas pairam n...