Capítulo 1

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Fazia uns vinte minutos que estava chovendo sem parar, era uma chuva fina e o céu estava completamente nublado. Fernanda já tinha me ligado sete vezes, esse era indiscutivelmente o seu número preferido, mas todas as ligações estavam cortadas, e nenhum de nós entendia o que o outro falava. Mensagens, nem pensar, ela nunca lia. Então fiquei no meu quarto esperando Magali me chamar para avisar que o jantar estava pronto.

Aos vinte anos, no terceiro ano da faculdade de jornalismo, o meu quarto ainda tinha a mesma decoração de dez anos atrás, exceto alguns pôsteres de bandas, que eu estava sempre renovando. As paredes eram pintadas de um verde musgo que estava descascando, a bandeira do meu time preferido estava pendurada perto da porta, ao lado da bandeira do Brasil, e minhas coleções de bonecos, carrinhos e álbuns de figurinhas estavam espalhados por todos os lados. A minha pequena mesa de estudos estava lotada de livros e algumas revistas, que Fernanda sempre esquecia ali, tinha fotografias nas portas do meu grande guarda-roupa e, ao lado do baú tinha meu skate, minha bola de futebol e minha prancha de surfe.

Eu estava jogado na cama, olhando para o teto e começando a sentir fome, quando ouvi a campainha. Dei um pulo da cama e já estava descendo as escadas quando encontrei com Magali.

– Deixa que eu atendo. – falei rápido, gesticulando e acenando para que ela voltasse à cozinha. De forma alguma eu deixaria que ela atrasasse ainda mais o meu jantar.

Abri a porta e lá estava ela, toda ensopada e sorridente.

– Oi.

– O que tá fazendo aqui?

– A gente não conseguiu se falar pelo celular, esqueceu?

– Eu mal consigo te enxergar embaixo de tanta água. Tá maluca?

– É só chuva, Rodrigo. – ela sorriu e fez menção de entrar, mas eu a puxei para sentarmos no banco da varanda.

Fernanda tinha a pele morena e os cabelos cacheados, como os meus, mas naquela situação não havia sinal algum de cachos e seu rosto brilhava, por conta das gotas de água escorrendo dos cabelos. Qualquer um poderia me achar um 'sem coração' por deixá-la ali fora, mas Fernanda nunca ficava doente, então estava mais preocupado com o lago que estava se formando sob seus pés.

– Por que não trouxe um guarda-chuva, sua doida?

– Esqueci. – ela falou, enquanto tirava os chinelos.

– Tá, e o que era tão importante pra você vim até aqui na chuva?

Ela pareceu surpresa com a pergunta, mas no mesmo instante Magali apareceu na porta falando que o jantar ia ser servido.

– Vai ficar? – eu perguntei pra Fernanda.

Ela deu de ombros e entrou acompanhando minha cozinheira/empregada/babá, que a puxou para a área de serviço antes que inundasse a sala de estar.


                                                                           **


Depois do farto banquete que Magali preparou, porque ela sempre achava que eu passava fome, Fernanda e eu subimos para o meu quarto, eu ainda esperava que ela decidisse me contar logo o que quer que fosse e acabar com aquele suspense. Me sentei na cama, mexendo distraidamente no celular, enquanto ela andava pelo quarto recolhendo tudo o que sempre esquecia.

– Terminou o trabalho do professor Deusdete? – eu precisei puxar assunto, detestava quando ela ficava calada, era como a calmaria antes da tempestade.

– Ainda não. E você?

– Eu comecei a fazer. Nadja me passou algumas bibliografias bem interessantes.

– Nadja? – ela perguntou, distraída, olhando a chuva através da janela.

– Sim. – me limitei a responder. Ela sabia exatamente quem era, e adorava implicar comigo, já que Nadja parecia mais a minha sombra, e seria capaz de fazer tudo por mim. Isso ás vezes me assustava.

– Eu vou para a Argentina. – ela falou, baixo, sentando na beirada da cama.

– O quê? Já tá pensando nas férias?

– Minha família vai se mudar para Buenos Aires. Vou trancar a faculdade aqui. Meu pai conseguiu uma bolsa pra mim lá.

Eu não sabia o que responder. Como assim ela ia pra Argentina?

– Como assim você vai pra Argentina? Vai me deixar aqui sozinho?

– Você sabe que eu sempre quis morar em outro país, e agora meu pai vai lecionar lá, é uma grande oportunidade. – ela se aproximou de mim e tocou meu ombro. – Você vai ficar bem, e pode me visitar sempre que quiser. Eu vou te ligar sete vezes por dia e sete dias na semana.

Ela me fez sorrir por um segundo, e eu a abracei. Era ela que sempre me fazia sorrir, mas que nunca entendia as minhas piadas. Era ela que sempre me apoiava, mas sempre esquecia dos seus próprios sonhos. Era ela que nunca chorava, mas adorava cada gota da chuva. Teria que tentar sobreviver sem minha melhor amiga.




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Obrigada pela leitura :)

Minha vida sem elaOnde histórias criam vida. Descubra agora