Capítulo Único

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"Eu quero morrer."

Essa foi uma frase simples e curta que eu simplesmente afirmei, seco e sem nenhum sentimento presente no momento, não me importando para o que os meus familiares e parentes vão pensar ou sentir sobre isso. É algo que apenas eu posso decidir e mais ninguém. Algo que só afetaria, fisicamente e fatalmente a mim, então só cabe a uma pessoa tomar essa decisão.

É chato quando eles começam a chorar e me culpar por algo inevitável que aconteceria de todas as maneiras. Me fazer de vilão na minha própria história.

Deixei a sala onde meus pais e os médicos estavam reunidos discutindo minha situação e procurando um meio de driblar minha doença, mas todos sabem que não há nada, então é melhor parar e simplesmente aceitar como eu aceitei há um bom tempo. Isso me deu um prazo a mais para pensar e refletir o que eu realmente quero e me despedir de meus amigos, que apesar de tudo o que eu fiz de ruim na no tempo que descobri a doença, ficaram ao  meu lado.

Meu celular vibrou e eu já sei quem é. "Onde você está?" "Preciso falar com você"

Ela me manda mensagens de dez em dez minutos desde que eu lhe contei o que pretendia fazer. Como esperado, não condordou, mas não influenciou em nada na minha decisão e ela sabe que não adianta mais problematizar e enfatizar o termo "Esperança" na minha frente.

Hoje eu acordei normalmente. Arrumei minha cama ao levantar, ajudei minha mãe a terminar de arrumar a casa. Meu pai passou o dia na garagem, fingindo arrumar o carro em perfeitas condições pra não ter que me olhar nos olhos. Mas mesmo assim, fui até ele e o ajudei.

Meu irmão nos observava lá fora do Jardim, brincando na areia sozinho e cabisbaixo. Uma parte dele sabe o que está acontecendo. 

Seria um dia normal para qualquer família.

Desde de que eu descobri a doença, ou seja, há um ano atrás, minha vida mudou completamente. O câncer estava em um estado avançado. Ele veio silencioso por todos esses anos, me matando por dentro sem ninguém perceber. Depois disso a doença piorou, depois eu piorei e depois não teve mais jeito. Uma série de acontecimentos fatais até chegar na parte que eu não tinha mais controle sobre meu corpo e nem sobre as crises.

Deixei o corredor do hospital e entrei no elevador. Apertei o botão da cobertura, a área restrita, onde muitas vezes eu ficava sentado observando o céu estrelado e pensado se há alguém no céu me olhando de longe. Só que se há alguém que dizem ser um pai te observando sem fazer absolutamente nada pra te ajudar, eu prefiro não ter e nem acreditar nisso. Afinal, um pai que abandona um filho não é merecedor de tal nomeação.

Meu celular não para de vibrar. Peguei-o outra vez nas mãos e vi mais mensagens dela.

"Estou no hospital" "Me responde! Onde você está?" "Por favor!"

Fiquei olhando suas palavras e imaginando sentir seu coração bater enquanto escrevia isso pra mim. Ela deve estar bem séria e preocupada. Lembro bem de quando ela entrava no quarto do hospital e me levava para a cobertura. Essa era a única coisa boa e que me deixava feliz nos momentos de dor, amargura e principalmente de solidão. Ela tem o dom de me fazer fissurar nos seus olhos castanhos ferozes e na sua personalidade extremamente alegre e divertida, sempre positiva, me beijando com seus lábios carnudos e delicadamente macios que sempre me faziam querer e querer me perder neles outra vez. Um ciclo vicioso que, infelizmente, vai ter um fim.

Ela é, sempre foi e sempre vai ser o que faltava em mim.

Guardei o celular no bolso de trás da calça, echi os olhos e suspirei pesadamente prendendo por mais tempo o ar em meus pulmões e soltando-o depois.

EutanásiaOnde histórias criam vida. Descubra agora