(1) Perguntas.

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Todos pareciam ocupados.

Ocupados demais para dar atenção a uma garotinha qualquer que estava prestes a perder um dente, como eu. E tudo isso devido ao casamento da tia Marlee, que ocorreria no dia seguinte. Não entendi o porquê de todos se preocuparem tanto, afinal, era só um casamento, não era? Pessoas casam e se separam todos os dias, ao menos foi isso que a minha prima Jocely me explicou, quando veio passar as férias de verão aqui em casa. Porém, mamãe disse que ela "vai ficar para a titia" — mesmo eu não sabendo o que essa expressão significa —, e que não deveria dar bola para as "bobeiras que Jocelyn fala".

Resolvi concordar, me pareceu uma coisa muito séria.

— Mamãe, olha só, meu dente está mole! — Eu disse, tentando, inutilmente, mostrar para ela. Já era o segundo dente mole em menos de um mês, se as coisas continuassem desse jeito, eu iria ser apelidada de Banguela, assim como o dragão daquele filme.

— Que bom, Rebeca. A fada do dente irá visitá-la em breve — ela me respondeu, logo voltando sua atenção para os garçons, que serviriam na festa do dia seguinte.

Odeio quando ela faz isso, me trata como uma criança. Não, eu não sou uma criança, já tenho oito — isso mesmo, oito! — anos de idade, até já sei amarrar o cadarço do meu tênis sozinha. E como já sou grandinha, não acredito nessas coisas de fada do dente, nem em papai Noel. São apenas bobagens que os adultos inventam para tentar enganar as crianças e, como não sou mais uma, não caio nelas.

Ao menos não mais.

— Mamãe! — chamei-a novamente.

— Sim, Rebeca? — Desta vez ela ao menos se virou para me encarar, eu tinha sua atenção novamente.

Olhei nos seus olhos. Minha mãe sempre foi uma mulher bonita; mesmo com seus trinta anos, ela ainda mantinha a pele mais linda de todas, como uma boneca de porcelana, os cachos mais bem feitos, e era altíssima, acho que em outra vida ela foi uma escada. Enfim, mamãe era uma completa dama, e o melhor de tudo: nunca foi uma daquelas adultas chatas, que estão sempre ocupadas. Ela sempre brincava comigo e me ajudava com as tarefas. Mas, no momento, o casamento que ela estava organizando parecia mais importante do que o meu dente mole. E eu não gostei nada disso.

— Por que a tia Marlee vai se casar com o Tiago? — Perguntei. Afinal, por que as pessoas se casam? Isso não fazia sentindo pra mim.

— Ora, porque eles se amam — disse mamãe, virando-se para o homem atrás dela, que lhe fazia inúmeras perguntas sobre o casamento.

Minha mãe seria a organizadora e não estava sendo nada fácil. Para ninguém, suponho.

— O que é amor? — perguntei, ela parecia um pouco desconfortável com todas as minhas perguntas, mas eu precisava saber.

— Podemos conversar depois? Estou um pouquinho ocupada agora. O Caio está aí, vá brincar com ele. — ela pediu educadamente, sua voz doce esbanjava gentileza.

Eu não gostava de Caio, nunca gostei. Entretanto, a mãe dele, a senhorita Paula, era melhor amiga da minha mãe. E acho que por elas serem melhores amigas, esperavam que eu e Caio fôssemos amigos também. Mas, na verdade, para mim, ele era só um garoto bobo que gostava de me irritar profundamente e, além do mais, ele estava sempre com o nariz escorrendo. Mas, diante da situação — todos estavam muito ocupados com seus assuntos de adultos —, fui até o jardim, pelo menos Caio me manteria acordada, já que no salão principal estava um completo tédio.

O jardim sempre foi o meu lugar favorito da casa da vovó. Ela cultivava flores, algumas eu conseguia recordar o nome, como por exemplo: as Rosas e as Violetas. Lá também tinha outras espécies de plantas e árvores que eram três vezes maiores do que eu. E minha parte favorita: o balanço de madeira que o vovô Jim construiu no meu aniversário. Eu amava aquele balanço, quando eu não estava com raiva, até deixava o Caio me empurrar. Talvez ele não seja tão inútil. Talvez.

— Oi, Beca. — disse Caio, sorrindo. Seu rosto estava sujo de terra, sempre que eu o via ele estava assim: sujo. Garotos são nojentos.

Não queria conversar, não com ele. Mas, por outro lado, eu queria saber o que era o tal do amor. Já tinha ouvido essa palavra nos filmes, nos desenhos, e se não me engano até mamãe já a disse antes. Mesmo assim, o amor parecia não ter significado, não um que eu conhecesse. E se ele soubesse? Duvido... Caio não era muito inteligente.

— Caio... — comecei receosa, não queria fazer papel de boba. Ele me encarou com seus olhos enormes e castanhos.

— Sim?

— O que é amor? — perguntei por fim. A prima Jocely me ensinou uma coisa quando ela veio passar o verão conosco: direta e rápida, como tirar um curativo. Não entendi isso muito bem, sempre que eu tirava o curativo dessa forma, doía. Mas, tentei mesmo assim.

Um sorriso, ainda mais forte que o anterior, se iluminou no rosto de Caio. Ele parecia saber a resposta e isso me deixou animada. O sol estava forte e ardia sobre minha pele, mamãe com certeza ficaria brava porque esqueci o protetor solar, já a pele de Caio, mais escura que a minha, parecia dançar com os raios solares. Era até bonito de se ver.

— Amor é quando eu empurro a gangorra para você, mesmo você nunca me deixando brincar também. — ele explicou, depois de pensar por um longo tempo.

Como aquilo poderia ser amor? Não, não era. No máximo... bondade. É, com certeza esse tal de amor é mais complicado do que imaginava. Por deus! Não poderia ser simples, como brincar de boneca? Mas nããão, quem inventou o amor deve ter esquecido à fórmula, por isso ninguém sabe direito o que é ou de onde vem, que coisa mais complicada!

— Isso não é amor — afirmei enquanto me levantava do balanço de madeira.

— Então o que é? Podemos procurar juntos... — Caio sugeriu, animado. E me ajudou a sair do balanço, já que eu estava com dificuldades. Não se enganem, isso pode ser mais complicado do que parece.

Isso! Era disso que eu precisava: ajuda. Alguém que me ajudasse a procurar esse tal de amor, e, por incrível que pareça, Caio era a pessoa certa. Tudo bem, ele pode ter todos os defeitos do mundo, mas é um ótimo investigador. Foi Caio quem descobriu que Maria roubou meu coelhinho, no jardim de infância. Graças a ele, a Senhorita Cenoura voltou para casa em segurança.

— Caio! — Paula gritou pelo filho de longe. — Vamos, já está ficando tarde, querido.

Pronto, lá se foram às minhas chances de descobrir o que era esse tal de amor. Eu nunca acharia a resposta sozinha e sem o meu melhor — e único — investigador, minhas chances tinham diminuído para zero.

— Procuramos depois — ele anunciou e beijou-me na bochecha, logo correndo para encontrar sua mãe.

Foi nojento, como todos os beijos. Minha bochecha estava dormente, como se a boca dele ainda estivesse ali. Argh, por que ele tinha que fazer isso? Será que Caio tem alguma doença de boca e isso foi um plano para me contaminar? Ai meu Deus, eu não posso morrer, só tenho oito anos, sou apenas uma criança. E tenho que descobrir o que é amor! Geralmente eu sou uma pessoa controlada, mas, correr e gritar não pareceu uma ideia tão ruim, pelo menos não no momento. Então foi exatamente o que fiz.

Uma teoria sobre o amorOnde histórias criam vida. Descubra agora