Prólogo:

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Desde os primórdios da espécie humana que sentimos necessidade de comunicar. E comunicamos não para nós próprios, mas sim pelo desejo de sermos ouvidos. Mas eu nunca quis ser ouvida. Talvez esse seja um dos motivos para ter começado a verbalizar os meus pensamentos com três anos de idade. Para espanto de todos, a minha primeira palavra foi, literalmente, palavra. Nenhuma criança com as faculdades mentais completas diria tal coisa. O que era feito dos vocábulos regulares: mamã, papá, bola,...? E quem é que começa a falar com três anos? Provenho de uma família de faladores natos. A minha mãe afirma ter dito a sua primeira palavra com dez meses e a minha avó conta que o meu pai recitou parte do discurso natalício de um presidente qualquer com dois anos e meio! Sinceramente, fico sempre um pouco reticente de cada vez que ouço esta história, porque há sempre uma parte que muda: ou não tinha dois anos e meio mas sim três, ou foi no Ano Novo e não no Natal... De qualquer modo, eu era, sem sombra de dúvida, a exceção à regra. Passados 16 anos da minha existência sei que aquela foi realmente uma boa primeira "palavra". A racionalidade tomou conta da minha vida. Não sou aquele tipo de pessoa que voa com a imaginação. Na minha opinião, se queremos voar apanhamos um avião e vamos até onde queremos. Não é correto viver de forma sonhadora se, tal como num bom livro ou filme, tudo tem um início, desenvolvimento e fim. Escusado será afirmar qual é o fim. Todos sabemos qual é. E eu visualizei-o a milímetros de distância. Não o meu, mas aquele que conduziria a um desenvolvimento acelerado com travões estragados que só decidiram funcionar e revirar tudo até a uma parte segura a pouco tempo do fim. Esta não é a típica história de uma rapariga adolescente que se apaixona e fica feliz para sempre. Não é a história de uma rapariga com distúrbios que acaba por se curar. Não é a história de alguém que realiza o sonho da sua vida. Esta história é uma história real... Ou talvez não seja, tudo depende da forma como a virem.

Existe luz e escuridão, mas tudo não passa de um mero ponto de vista. Há quem visualize as sombras como a sua parte obscura; eu prefiro pensar que se trata da ilusão criada pelo sol. E o sol é uma fonte de luz! Veem, tudo o que simplesmente existe, esteja presente, ausente, vivo ou morto é simplesmente perspetiva. Nada mais do que isso. Tudo depende da forma como vemos o mundo.

Eu costumava ver a vida como uma brilhante estrela cadente. Mas isso foi há bastante tempo. A nossa visão vai mudando há medida que crescemos, ainda que involuntariamente. Esta ilusão de vida celestial mudou naquela aula em que referiram que as estrelas cadentes não passavam de cometas. Era ridículo perceber que assemelhava a minha vida a um pedaço de rocha. Mas, infelizmente, estava absolutamente certa. Haveria um certo momento em que não passaria disso mesmo, seria unicamente um ser inanimado aos olhos de todos aqueles que me conheciam; só ainda não o sabia. Entretanto, precisava de outra metáfora para atribuir a tudo o que se passava há minha volta. Desde que aprendera o que aquela palavra realmente significava, passou a minha favorita. Bem, a minha segunda favorita, pois nunca nada substituirá a simples e doce palavra.

Apenas algo trágico consegue despertar os sentimentos mais profundos. Até há ocorrência daquele acontecimento, não tinha voltado a refletir na verdadeira analogia da minha breve experiência como simples humana (ou mortal, se quisermos exagerar um bocadinho e trazer um significado completamente diferente à frase. Uma palavra é capaz de mudar tudo...). Assim, num dia qualquer, numa altura do ano impossível de decifrar, pois todos os dias eram sombrios, deixei escapar da minha boca algo do género: " A minha vida é como uma autoestrada sem iluminação". O significado disto? Aparentemente nenhum, mas sempre gostei de dizer coisas sem sentido que pudessem ter interpretações diferentes para pessoas diferentes.

O meu nome por enquanto é meramente um facto irrelevante, bem como a minha aparência. Porque mesmo que me descrevesse não adiantaria de nada, tudo se encontra em constante mudança. E vocês vão saber de todas elas, a seu tempo...


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