Continuação (DOIS)

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Ela faz que sim com a cabeça.

Philip sorri para a filha com ternura. Ele se inclina e dá um beijo na sobrancelha esquerda da menina.

- Eu não vou deixar que nada aconteça com você.

Penny volta a assentir. Está com o pinguim de pelúcia aninhado junto ao pescoço. Ela olha para o bichinho e franze o rosto. Chega o pinguim mais perto da orelha e age como se o bichinho estivesse lhe contando um segredo. A menina olha para o pai e então diz:

- Pai?

- O que é, meu amorzinho?

- O pinguim está querendo saber uma coisa.

- O que é?

- O pinguim quer saber se aquelas pessoas estão doentes.

Philip respira fundo.

- Diga para o pinguim que... elas estão doentes, sim. Até mais do que doentes. Foi por isso que a gente deu um jeito de... acabar com o sofrimento delas.

- Pai?

- Sim?

- O pinguim quer saber se a gente também vai ficar doente?

Philip acaricia a bochecha da menina.

- Não, senhora. Diga para o pinguim que nós vamos ficar fortes como cavalos.

Isso parece deixar a garota suficientemente satisfeita para desviar o olhar para o lado e apreciar o vazio um pouco mais.

Às 4 horas daquela madrugada, outra alma insone, em outra parte da casa, está fazendo suas próprias e imponderáveis perguntas. Embrulhado num monte de lençóis, o corpo franzino vestindo apenas cueca e camiseta, a febre formando uma camada de suor no rosto, Brian Blake olha para o teto de gesso do quarto de uma adolescente morta e pergunta se será esse o fim do mundo. Não foi Rudyard Kipling que disse que o mundo termina "não com um estrondo, mas com um gemido"? Não, espere um pouco... foi Eliot. T. S. Eliot. Brian lembra de ter estudado esse poema - se chamava "Os homens ocos"? -, na aula de literatura comparada do século XX, na Universidade da Geórgia. E aquele diploma lhe trouxera muita coisa.

Ele fica ali deitado, remoendo seus fracassos - como acontece noite após noite -, mas hoje esse ruminar é intercalado com uma carnificina, como trechos de um filme velho inseridos no fluxo de sua consciência.

Os velhos demônios o atormentam e se misturam aos novos temores, maculando seus pensamentos: havia alguma coisa que ele poderia ter dito, ou feito, para evitar que Jocelyn, sua ex-mulher, fosse embora, contratasse um advogado e dissesse todas aquelas coisas horríveis que disse antes de voltar para Montego Bay? E será que dá para matar aqueles monstros com um simples golpe no crânio, ou será preciso destruir o tecido cerebral? Será que Brian deveria ter feito ou pedido alguma coisa, ou quem sabe tomado um empréstimo, para manter a loja de discos funcionando em Athens - a única daquele tipo na região Sul, uma ideia brilhante, do cacete, que disponibilizava a artistas de hip hop mesas de som remodeladas, caixas acústicas de graves e microfones bregas cobertos de strass ao estilo Snoop Dog? Com que velocidade o número de vítimas infelizes lá fora estaria se multiplicando? Será que essa é uma praga transmitida pelo ar ou pela água, como o vírus Ebola?

O redemoinho da mente continua voltando aos assuntos mais urgentes, especialmente a sensação angustiante de que o sétimo membro da família que morava na casa continua escondido em algum lugar dela.

Depois de convencer os companheiros de que deveriam ficar ali indefinidamente, Brian não consegue mais parar de se preocupar com isso. Ele registra atentamente cada rangido, qualquer mínimo estalo da fundação se acomodando e qualquer barulho abafado que venha da fornalha. Por alguma razão que ele não sabe bem qual é, está totalmente convicto de que o menino louro continua por ali, na casa, esperando, deixando o tempo passar até... o quê? Talvez o garoto seja a única pessoa da família que não virou zumbi. Talvez esteja escondido, apavorado.

Antes de ir dormir, Brian insistira para checarem uma última vez todos os cantinhos da casa. Philip o acompanhara com uma lanterna e uma picareta e eles verificaram todos os recantos do porão, todos os armários, todas as cômodas e locais de depósito. Olharam dentro do freezer de carne que havia no porão e olharam até dentro da lavadora e da secadora de roupas, em busca de qualquer coisa suspeita. Nick e Bobby foram conferir o sótão, olharam dentro dos armários, das caixas e atrás dos baús. Philip deu uma busca embaixo de todas as camas e atrás das penteadeiras. Mesmo sem encontrar ninguém, fizeram algumas descobertas interessantes pelo caminho.

Encontraram a tigela de comida de um cachorro no porão, mas nem sinal do animal. Também acharam um monte de ferramentas muito úteis na oficina: serras, furadeiras, plainas e até um martelo pneumático. Ele seria particularmente útil para construir barricadas, já que era um pouco mais silencioso que um martelo comum.

Aliás, Brian pensa até nas outras utilidades que um martelo pneumático pode ter, quando ouve um ruído que imediatamente paralisa seu corpo parcamente vestido.

O barulho vem de cima, do outro lado do teto.

Direto do sótão.


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⏰ Última atualização: Jun 11, 2016 ⏰

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