UM

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  A luz do sol penetra minhas pálpebras e tudo que eu consigo "enxergar" é uma espécie de vermelho, sei que abrir os olhos seria tortura então não o faço. Meu rosto já começa a doer de tanto franzir o cenho quando percebo o barulho intenso de carros em algum lugar abaixo de mim.

 Tento fracassadamente lembrar de algo e nada me vem à cabeça, apenas alguns clarões de alguma festa na qual eu estava junto com Jamie, um amigo - se é que é possível considerar a "amizade" de um cara que só sai com você pra festas, te vende algumas coisas e nunca mais fala com você até o processo se repetir -, alguns goles de copos aleatórios, tragadas de diferentes tipos de drogas pertencentes a diferentes tipos de pessoas, algumas garotas e...nada. Mais uma vez, não me lembro de porcaria nenhuma.

 O sol está começando a arder na pele da minha coxa e maçãs do meu rosto, eu teria que sair daqui mais cedo ou mais tarde. Me mexo na tentativa de virar de bruços e bloquear o sol da minha visão, então a coluna dá sinal de vida e me dou conta de que estou deitada no chão. Abro os olhos assim que a luz fica mais fraca, deixo-me nos cotovelos olhando para baixo ainda deitada até que meus olhos se acostumem. Levantar é um sacrifício porque todos os meus músculos parecem lutar contra isso.

 Olho em volta e vejo uma porta no meio de um lugar aberto, piso de cimento, copos e algumas bitucas de cigarro no chão, ótimo...o terraço de um prédio. O barulho dos carros na avenida lá em baixo, agora atormentam meus ouvidos. Sentir pena de mim mesma por me encontrar nessa situação algum dia virou rotina, hoje...é só mais um dia normal.

 Vou até a porta e desço as escadas, que dão diretamente a outro lance de escadas e a um elevador, aperto o botão diversas vezes - como se adiantasse em alguma coisa - e espero aquela geringonça subir sete andares, porque não há condições de eu descer lances e mais lances de escada nesse estado.

 O elevador faz um barulho ensurdecedor - ao menos na minha cabeça que já está prestes a explodir - e meu único desejo agora é chegar em casa e me entupir de remédios. Casa. Chave. Ótimo. Passo as mãos pelo bolso da calça e encontro apenas um batom enrolado em duas notas de um dólar e a droga do meu celular que só presta pra fazer ligações e mandar algumas sms. Quase jogo-o na parede quando minha vizinha, Larissa, não atende.

 Larissa é um ano mais velha do que eu, é uma mulher bonita e cheia de vida, faz faculdade de arquitetura na NYU e tem uma família adorável, totalmente diferente da Alicia aqui que trabalha na droga de um Starbucks os dias de semana e passa o resto do dia e os finais de semana inteiros não se lembrando do que fez ou deixou de fazer. Talvez seja triste dizer, mas Larissa é o mais perto de "amiga" que eu consigo ter, embora ela só me ajude com as chaves e me busque em lugares dos quais eu não consigo ir a pé pra casa, além de me dar alguns sermões nesse meio tempo.

 Saio do elevador as pressas e empurro a porta de saída do prédio, a primeira placa que olho sinalizando o nome da rua me mostra que estou a quase cinco quilômetros da minha casa, com dois dólares no bolso e a merda de um batom insignificante.

 Deve ser quase meio dia e as únicas nuvens que passam pela imensidão azul lá em cima, são brancas, esparsadas e solitárias - como eu, exceto pela parte da cor branca que na minha vida está mais para um cinza fumacento. Sem querer ser dramática, é claro -. Maldito momento em que achei que vir pra Nova Iorque seria sinônimo de mudanças e vida nova. No fim das contas não é o lugar, é?! Sempre é sobre você. O celular toca e atendo assim que escuto.

- Larissa! Por favor, tem como vir me buscar? To sem como voltar pra casa.

- Onde você tá? A sua sorte que hoje é sabado. - ela diz com voz de sono.

- Vou te mandar o endereço por sms. Obrigada mesmo e desculpa.

 Caminho por alguns metros até ficar em frente a uma livraria, onde ela conseguirá me achar mais facilmente. O local é aconchegante e o ar frio que sai lá de dentro me chama para entrar, daqui meu campo de visão abrange duas poltronas e uma mesinha com uma cafeteira de expressos, e claro as estantes e mais estante de livros.

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