Há três homens mal encarados, vestidos em preto na frente da casa noturna. Uma fila nada muito extravagante se acumula em frente aos três. A fila, em sua grande maioria é de homens, já que mulheres são passe VIP em locais como esse. Basta caminhar até os seguranças, deixar que chequem seu corpo de cima a baixo - com os olhos, é claro. Eu poderia muito bem entrar com qualquer tipo de arma e eles nem notariam, contanto que meu decote agradasse. - e você entra sem nem ao menos uma olhada em sua identidade.
Reviro os olhos de onde estou, observando a garota de cabelos azuis entrar da mesma forma que todas as outras. Sei a repulsa que ela sente, então sinto por ela.
- A vista daqui é tão boa assim? - a voz de Jamie me assusta, assim que se encosta na parede de tijolos em que estive o esperando.
- Trouxe? - pergunto sem muito ânimo. A fila do outro lado da rua deserta se dissipa. Pela quantidade de pessoas à essa hora, deve estar no mínimo entediante lá dentro.
- E eu esqueço alguma vez, darling? - o pacotinho transparente aparece em minha frente e puxo-o de sua mão. - Quatro, como o combinado.
- Espero que seja o mesmo da última vez. Deve estar uma merda lá dentro. - retorno meu pé, que estava apoiado na parede, ao chão e me ajeito. O decote parece exagerado, mas eu não me importo, exceto pela violação lá na frente.
- Você acha?! Sempre há a Kaies. - o moreno acende um cigarro e traga olhando para mim. A Kaies não é, nem de longe, a melhor casa da cidade, mas com certeza deve estar melhor que isto aqui.
- São inúmeros quarteirões até lá. - o desinteresse em minha voz é palpável, enquanto encaro o pacotinho contendo um quadradinho divido em quatro partes. Enfio-o dentro da minha bolsa depois de aceitar um trago de Jamie. Meu estomago embrulha quando meus dedos, dentro da bolsa, tocam o livro e a fumaça chega a meus pulmões.
O dia seguinte à descoberta de "Wonder If" se baseou em meus pensamentos perdidos sobre meu passado. Sobre Wareen. E uma profunda indecisão entre comprar ou não o livro. No fim acabei me rendendo e comprando, mas ainda não tive coragem de lê-lo. Parece bobo, mas no fundo ainda não quero acreditar que é ele. Não quero pesquisar o autor no Google e descobrir que é, sim, o garoto canadense que fez parte da minha vida ao que parecem anos.
- Você tá tão esquisita. - o garoto em minha frente diz, soltando a fumaça de seus pulmões para seu lado esquerdo. Esquisita. Talvez. A afirmação me faz voltar a vida real e fecho minha bolsa com uma peça da cartela nos dedos.
- Vamos. - puxo-o pela mão para atravessar a rua e coloco o papel na língua. Kaies pode esperar. A noite é longa e é sexta-feira.
- Alicia! - a voz é distante, não há como identificar.
- Alicia! Garota...
- Eu volto...- a voz se perde novamente, dessa vez parece mais distante. Meu estômago dói, meu braço dói, minha cabeça dói. Acho que adormeço novamente ou desmaio, não tenho muita certeza.
Passei dos limites. É a primeira coisa que vem à minha cabeça.
A claridade da rua, embora pouca, entra pelo quarto pelas janelas com grades e faz minha cabeça doer ao apertar os olhos. O comodo em que me encontro, com certeza, não faz parte da minha casa.
Sento-me na cama com o susto. Que merda, merda, merda. Que lugar é esse? De quem é esse lugar?
O medo me consome. Minhas mãos começam a tremer e meu coração dispara. "Tudo, menos ter dormido com alguém inconsciente, por favor" repito diversas vezes em minha mente e olho para meu corpo gelado, nu.Meu nariz arde, enquanto meus olhos esquentam por culpa das lágrimas se acumulando. Engulo em seco. Não há o que fazer, não há necessidade de chorar. Provavelmente dormir com alguém sem consciência disso não deveria me trazer tanto desespero, não é? Deveria, sim, e me traz.
Me sinto violada, mesmo não tendo ideia do que houve até ali. Me sinto triste, claro que não é como se eu nunca tenha sentido isso antes, me sinto assim o tempo todo, mas desta vez a tristeza é aterrorizante. Minhas mãos soam cada vez mais e me sinto paralisada, o frio que entra pela janela do quarto faz meu corpo nu arrepiar e puxo o lençol, cobrindo-o.Meus pensamentos não param, ao mesmo tempo que estão paralisados. É claro que já pensei diversas vezes que eu já poderia ter feito tal coisa, afinal, eu nunca lembrava de muita coisa de fato. Mas no fundo eu tinha certeza de que não faria, nunca havia passado tanto dos limites a ponto de não lembrar de absolutamente nada. Haviam sempre algumas lembranças, ainda que poucas.
Eu poderia ter começado a me policiar quando meus medos começaram a rumar esses lados, mas não o fiz. Não o fiz porque no fundo ainda acreditava em mim. Porque minhas vontades eram as únicas coisas de que achava ainda ter certeza.
- Jesus, você acordou. - a voz vem da porta e eu encaro o homem desconhecido apoiado nela. A dor me consome novamente, agora o medo é maior.
- O que fizemos? - minha voz treme e fecho os olhos, tentando não chorar. O cara, de no mínimo 25 anos, parece surpreso quando abro os olhos, mas o leve sorriso malicioso em seus lábios o entrega. Nojo. De mim. Dele.
- Você não se lembra? - ele ri debochado. Seu cabelos loiros caem sobre os olhos e ele os puxa para trás. - Você sabe, de qualquer maneira. - caminha até a cadeira, cheia de roupas, na frente da cama e eu me encolho com raiva e todos os outros sentimentos que me assombram no momento. - Foi ótimo viu?! - o rapaz me manda um beijo e me joga minhas roupas, saindo do quarto.
Minhas roupas parecem tão incertas agora. Quase como se não estivesse realmente cobrindo meu corpo, assim como minha pele que parecia querer descolar junto com tudo em mim.
Olho para o quarto novamente antes de sair e algo explode dentro de mim quando paro na porta, todas as coisas que venho guardando, talvez. Todas as merdas que me anulam. Sinto ódio delas, sinto ódio de Jamie, do cara em alguma parte desse apartamento, de meu pai, de Kauffman, principalmente de mim.
A televisão perto da janela vai ao chão. Grito de raiva. O vaso transparente, cheio de água, se estilhaça na parede junto com a planta seca e marrom dentro dele. Chuto a mesinha ao lado da cama, que vira levando as garrafas vazias e os cinzeiros junto com ela. Todos se estilhaçam.
- O QUE VOCÊ PENSA QUE ESTA FAZENDO? - a voz grita em meu ouvido depois de me dar conta que duas mãos seguram meus braços com força. Muita força. Me debato e jogo a cabeça para trás com toda a força que encontro. Ele me solta, e sei que machuquei seu nariz.
Os sentimentos ainda se misturam dentro de mim e eu não os aguento mais. Quero que me deixem. Quero que eu os deixe, se for possível. Os livros da pequena estante vão ao chão quando passo os braços por ela.
Minha visão fica turva, sinto meu olho direito pulsar e só então me dou conta que levei um soco no olho. Não sei o que fazer, estou paralisada novamente.
- Sai daqui agora, vagabunda. - ele diz calma e assustadoramente. Tenho vontade de pedir para que me mate, cogito o pedido por milésimos e sei que não o farei. Sigo para a porta derrotada. Não por ele e sim, por mim mesma, porque não tenho mais forças, porque me sinto horrível, me sinto imunda.
- Nem pense em chamar a polícia, a menos que queira pagar de idiota. Vadias não são ouvidas. - ouço ele cuspir as palavras, e infelizmente sei que ele está certo.
O caminho para casa não é longe, eu acho, mas também acho que posso ter andado quilômetros sem nem ter percebido. Só me dou conta de que estou em meu prédio quando vejo o portão.
Meu apartamento parece o melhor lugar para se estar no momento. Estou destruída, mas ainda não me permiti deixar as lágrimas me domarem. E então, eu entro no apartamento e tudo se solta. As gotas descem pelo meu rosto sem pedir licença e eu me deixo sentar no chão, ao lado do sofá, e deixar que elas me levem por quanto tempo precisarem.
A bolsa cai ao meu lado, aberta, e "Wonder If" desliza da bolsa com o impacto. Me rendo ao livro ao pega-lo e abrir as primeiras páginas.
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Oi gente, tudo bem?
Espero que estejam gostando até aqui.
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Wonder If
RomanceNova Iorque não fora a melhor escolha. Os motivos se resumiam em clima, pessoas, lugares e o fato de que Alicia estava quebrada e nem ao menos se importava, o que contribuía mais do que todos os outros fatores, é claro. Na verdade os fatores iniciai...