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Na vida, podemos classificar nossos dias entre aqueles que foram bons e aqueles que foram ruins.

Quando acordei em sobressalto, depois de ouvir meu nome sendo chamado nos altos falantes do hospital, pude sentir no fundo da minha alma que esse seria um daqueles dias ruins.

Estava em meu terceiro plantão do internato da semana.

Este, em particular, estava um caos: eu deveria ficar dás sete da noite de sexta ate às sete da manhã de sábado de plantão, e, honestamente, sexta à noite era o prior horário para se estar aqui: tinha corrido de um lado para o outro tentando me desdobrar entre um paciente em coma alcoólico, uma criança que tinha colocado um Lego na orelha, uma senhora reclamado que estava com calor e uma emergência que envolvia um acidente de moto.

E para facilitar meu plantão tranquilo, estava sob a supervisão da residente Cruella (sim, esse é o nome dela), carinhosamente, e justamente, apelidada de Cruhella.

Ela fazia a vida dos internos um inferno, cheia de ordens seriamente fora da medicina e com insultos cruéis. Nos fazer chorar era seu hobbie.

Andando pelos corredores, cheguei até o consultório 3, onde o nome "Dra. Cruella Aubry" estava escrito.

Bati na porta e entrei.

Cruhella escrevia habilmente em seu computador e nem se deu trabalho de me olhar antes de falar:

- Você precisa ser mais rápida, se eu estivesse tendo um ataque cardíaco já estaria morta. Se eu fosse você, reconsideraria tem a medicina como minha profissão.

- Me chamou para que eu colete mais exames? – perguntei, esperando que ela pedisse mais algum exame absurdo, como uma tomografia de corpo inteiro para quem tinha um corte superficial na palma da mão.

- Na verdade não. – ela tirou uma nota de vinte dólares e me entregou – Quero um café.

Como eu disse, ordens fora da medicina.

Mas, bem, quem é um interno na cadeia alimentar? Isso mesmo, ninguém.

Me virei, pronta para ir na cafeteria do hospital quando Aubry disse:

- Onde pensa que vai?

- Na cafeteria.

- Não, não querida. Você tem 20 minutos me trazer um expresso do Joe's. Caso se atrase, tenho muito pacientes com exames demorados para fazer, e como vi que só falta uma hora para seu plantão acabar, acho que você vai adorar fazer todos eles antes de ir.

- Um expresso do Joe's? – perguntei, pensando na cafeteria que ficava a seis quarteirões daqui.

- Sim. Sem açúcar, estou de dieta.- disse ela- E Sara, agora faltam 19 minutos, acho que é bom você correr.

Sai antes que ela pudesse ver meus olhos queimando de raiva.

Só mais um ano, Sara, só mais um ano. Aguente mais um pouquinho.

Gosto da medicina? Definitivamente sim! Gostaria de desistir? Definitivamente não.

Mas Cruella me deixava parcialmente desgastada.

Talvez, depois que terminasse o internato – e estivesse me livrado de Cruella- , finalmente teria uma noite de sono tranquila, sem pesadelos que me fazem acordar no meio da noite, suada e emaranhada nos lençóis.

Meu pesadelo era sempre o mesmo: eu estava correndo em um corredor imenso e carregava algo nos meus braços enquanto era perseguida por alguém. A frase " Só mais um pouco" saia da minha boca com frequência.

Depois de virar algumas vezes, finalmente chegava em frente a uma porta. Ofegante, estava prestes a abri-la quando o som de passos chegou a meus ouvidos e eu me viro devagar apenas para me deparar com um homem muito alto vestindo uma armadura completamente preta.

Quando ele levanta a espada, eu acordo.

Ainda não descartei a possibilidade do guerreiro das trevas ser uma metáfora à Cruhella e o embrulho em meus braços ser me precioso diploma.

Quando saí nas ruas, correr parecia a melhor opção: pelo menos foi o que achei até o momento em fui travessar a rua que me levaria ao Joe's.

Um carro simplesmente decidiu ignorar o sinal vermelho e acelerar.

Mas eu estava no meio da rua.

Paralisada, apenas fechei meus olhos e esperei pelo impacto.

E esperei.

E esperei.

Quando a dor não veio, decidi abrir os olhos só para ver o carro parado a meio metro de mim e motorista mantinha uma expressão apavorada em seu rosto.

- VOCÊ ESTÁ LOUCO? NÃO SABE O QUE É UM FAROL VERMELHO? – Gritei para ele.

E o motorista continuou com a mesma expressão no rosto, petrificado, me olhado.

- NÃO VAI PEDIR DESCULPAS? EU PODERIA TER MORRIDO!

Furiosa, fui em direção ao motorista, mas assim que cheguei vi que algo estava errado: o homem estava literalmente parado, congelado, como se alguém tivesse dado pause na cena.

Quando fui gritar por ajuda, percebi: a minha volta, todos estavam... congelados, paralisados em meio a seu movimento.

Ele não era o único.

Todos pareciam ter... parado no tempo.

O senhor com seu cachorro que estavam andando em frente a mim, o casal do outro lado da rua que estavam a milímetros de se beijarem, assim como os pombos que voavam no céu.

Todos.

Estava entrando em desespero quando ouvi alguém me chamando.

Sara

Olhei para trás, entretanto, todos ali ainda estavam paralisados.

Sara

Sara

Sara

Continuei procurando até que finalmente achei a dona da voz: uma mulher, na casa dos quarenta, olhava para mim. Ela tinha cabelo preto enrolado que desciam até sua cintura, sua pele era branca como mármore. Ela usava um vestido de veludo vermelho, que certamente causaria inveja a qualquer um na idade média. Mas seus olhos... seus olhos eram completamente brancos.

Está na hora de voltar para casa.

Em menos de um segundo, uma escuridão me engoliu.

A Filha Da LuaOnde histórias criam vida. Descubra agora