10 Janeiro

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'Nossa, acho que virei o tornozelo...' Maria Antonia Marisguia fez cara de quem poderia chorar a qualquer minuto.

'Na obra do café da Gisele?' A irmã mais velha respondeu com solidariedade incondicional instantânea.

'Saindo do prédio.' Maria Antonia sentou na cadeira em frente à mesa de Maria Luiza, tirou o sapato, e girou o pé em um círculo grande. 'Tinha uns idiotas levando caixas para cima e deixaram vários rolos no piso, na saída do elevador de carga. Estava distraída com o telefone e tropecei.' Fez careta sentindo as juntas dos tornozelos estalarem.

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'Cara, acabei de salvar uma gata. Mereço o título de Cidadão Carioca!' Dr. Henrique Fialho abriu um sorriso preguiçoso nos lábios quase escondidos pela barba de lenhador que penteava com os dedos.

'Merece o uniforme de bombeiro.' Dr. Luís Maurício Noronha resmungou da sua mesa.

Testa franzida, rosto inclinado para o lado, Henrique olhou para o sócio sem entender. 'Não!' Riu. 'Uma mulher bonita, não um felino fêmea.'

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'Um gravatinha me segurou.' Maria Antonia revirou os olhos. 'Teria sido melhor cair sobre os tapetes.'

A irmã mais velha deu a volta na mesa e sentou na outra cadeira de interlocutor da sua sala para massagear o tornozelo da mais nova. 'E mais vergonhoso.'

'Totalmente!' Sorriu com ironia. 'Mas não teria torcido o tornozelo.' Suspirou triste.

'De novo.'

'De novo.'

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Da sua mesa o terceiro sócio, Dr. Danilo Bicudo, sacudiu a cabeça mantendo os olhos no computador. 'Se você só foi visitar a obra do escritório novo, como pode ter tido a chance de salvar alguém?'

'Denise sempre precisa de ajuda.' Maurício levantou as sobrancelhas.

'Mas é a sua que minha irmã quer.' Danilo apontou para o amigo desde a faculdade.

'Não necessariamente. Qualquer um que não considere desperdício bancar seus devaneios, serve.' Maurício disse sem interesse. 'Pode ir fundo, Henrique, não vai abalar nossa sociedade.'

'E nossa amizade?' Danilo prendeu os lábios para os amigos discutindo sua irmã como se ele não estivesse presente.

Maurício bufou impaciente. Dividir espaço com os amigos tinha sido prático e econômico quando começaram, mas já iam bem o suficiente para que tivessem privacidade. No escritório novo cada sócio teria sua própria sala e espaço para respirar; ele próprio perdia a esportiva com facilidade ultimamente. 'Ainda não achei uma mulher para me colocar no cabresto, muito menos acabar com minhas amizades.'

'Bicho, não viu a gata que salvei!' Henrique cortou a potencial discussão sobre a irmã decoradora de um sócio que esticou um caso frio com o outro sócio por meses.

'Não foi a Deny?' Danilo insistiu.

'Não!...' Henrique sacudiu a cabeça com veemência. 'Bicho, que gostosa!'

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'O que houve?' A irmã caçula, Maria Catarina - Kat, entrou na sala com vários documentos que despejou na mesa da irmã mais velha sem cerimônia e entregou duas pastas finas para outra.

'Um caramelo macchiato quis bancar o herói e me ajudou a torcer o tornozelo...' Maria Antonia, Toni, resmungou contrariada e se contorceu de dor com a massagem de Maria Luiza, Luli.

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