Havia sido mais uma tarde cansativa em uma audiência estressante com juiz iniciante que provavelmente estava na comarca da capital por ter pai desembargador, ou Ministro da Justiça, ou costas quentes de outra natureza qualquer, pensou desdenhando. Mais um pouco Maurício poderia ter ensinado ao rapazinho como interpretar a lei e sugerir o veredito. Havia feito algo similar, apesar das reclamações da advogada da outra parte que até era esforçada mas sem pulso, coitada da moça. Ainda assim foi estressante e com certeza teria recurso, o que não era de todo mal já que manteria a causa no escritório e o cliente era ótimo. Nesses tempos de escritório novo quando o custo da obra ainda pesava no orçamento dos três sócios, manter bons clientes era primordial.
A tarde de verão quente e estressante pedia uma cerveja, mas ainda eram três e meia de Quinta-feira. Um café então, um pingado para desespero do barista. Era o café que seu pai tomava, também ele homem de estômago fraco, mas agora o pingado trazia o gostinho picante de esfuziantes olhos castanhos claros e a frustração desconsolada do barista.
Na portaria de seu prédio comercial novo e imponente preferiu a grandiosa escada de ferro fundido e subiu mantendo a coluna ereta, carregando o corpo esguio talvez magro demais; vinha faltando aos treinos de remo por causa do trabalho, comendo mal por causa do estômago ruim. Nas férias da irmã iria para Minas por pelo menos quinze dias, pensou chegando ao Café do Pátio com a luz da tarde vindo do teto de vidro filtrada pelas árvores plantadas em enormes vasos, sua tia iria lhe entupir de comida caseira e ele ganharia de volta os quilinhos que faziam falta.
No balcão pediu o pingado, um pão de queijo e olhou em volta indicando a mesa do canto, mas viu feliz que a gata de olhos âmbar estava rindo com a dona do café e o barista esnobe.
Gostaria de sentar com ela, Toni, mas se encaminhou para a mesa do canto como de costume. Foi por sorte que seus acompanhantes levantaram e cumprimentaram Maurício, já um cliente contumaz, chamando a atenção da gata que sorriu. Parou para retribuir o cumprimento rapidamente e como seu pedido chegou, ela recolheu seus papéis fazendo-o prender os lábios em um sorriso. 'Obrigado.'
'Pingado, né?'
'Isso.' Ele sorriu. 'Do seu jeito, adotei para sentir primeiro o impacto da cafeína. Acho que meu estômago fica ainda mais indignado porque espera o ataque que não vem, mas mesmo assim, passei a tomar do seu jeito.'
Ela balançou a cabeça prendendo os lábios brilhosos em um sorriso. 'Café é uma arte e tal, já ouviu?'
Ele balançou a cabeça olhando para ela, a xícara perto do nariz.
'Tudo balela.' Franziu o nariz e sacudiu a cabeça. 'Café é vicio, é sangue correndo nas veias, é... Rotina daquela que faz bem, reconfortante, sabe? Quem não tem coragem de assumir pede uma baboseira como macchiatto, mocha, besteirol. Ou descafeinado.' Explicou com paixão. 'Como um fumante finge que se contém com cigarro eletrônico. Mas quando se reconhece o vício, bebe-se shot. Espresso curto, quente, cremoso.'
Ele piscou mesmerizado. 'Seu caso?'
'Sim. Forte, preto, sem açúcar.' Fechou os olhos bem maquiados como se sentisse o perfume do café que descrevia. 'Se estiver de muito bom humor ou muito mau humor aceito um aromatizado. Amêndoa ou cacau.' Ela piscou o observando e pela primeira vez considerou que ele tinha cara de fígado acebolado com batata frita. Muita cebola - talvez para disfarçar o gosto. 'Almoçou hoje ou não deu tempo?'
'Rapidamente antes de ir ao Fórum.' Respondeu achando graça da pergunta e provou da mistura de café, espuma de leite e açúcar. Ainda precisava do segundo saquinho de açúcar.
'Pão de queijo... Um só.' Apertou os expressivos olhos e balançou a cabeça devagar o analisando. 'Pingado.' Prendeu os lábios por um momento. 'Minas?'
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Preconceito, orgulho & CAFÉ
RomanceO Rio de Janeiro, no espaço de um ano mais ou menos, é cúmplice e testemunha do clássico de Jane Austen virado de ponta-cabeça onde Sr. Darcy, despido de sua fortuna, se apaixona por uma rica e linda Elizabeth Bennett. Apesar das muitas diferenças...