Cara suspirou, olhando para o balcão da cozinha, enquanto mexia com uma colher a xícara de chá de camomila. Ela riu baixo quando percebeu que até as colheres da casa de Harry eram estranhamente femininas e de bom gosto.
Tirou a colher da xícara e a colocou na pia, assoprando o chá enquanto se dirigia até o quarto de Harry. Estava descalça e seus pés podiam sentir o carpete claro que cobria todo o chão da casa. Fez uma careta quando pensou em como deveria ser difícil tirar o pó de tudo aquilo. Ela nunca fora o tipo de pessoa mais organizada do mundo, e apenas a ideia de passar horas limpando uma casa tão grande como aquela a aterrorizava.
Abriu a porta do quarto, entrando por ela calmamente. Suspirou quando viu que Harry continuava deitado, encolhido na cama, com os olhos verdes encarando a parede, fixos.
Cara pousou a xícara em cima da mesa de cabeceira, sentando-se na ponta da cama e encarando o mais novo amigo com preocupação nos olhos claros.
Depois do que havia acontecido na noite passada, Cara havia tido de levar Harry para casa. O estranho que havia praticamente salvado Harry perguntou se ela precisaria de ajuda para levá-lo até em casa, mas Cara negou a ajuda. Não conhecia o homem e apesar de ter ajudado seu amigo, não confiava muito nele. Parecia ser uma pessoa um tanto quanto excêntrica, apesar da boa aparência que seus cabelos claros e olhos azuis lhe traziam.
Havia, porém, aceitado ajuda para colocar Harry deitado no banco de trás do carro. Após isso havia entrado no banco do motorista e dirigido até a casa de Harry. O mesmo havia lhe passado o endereço mais cedo naquela noite, e era perto da casa de Cara então não havia sido tão difícil de encontrar, de qualquer maneira.
O havia levado para dentro, após estacionar o carro, tomando cuidado para não fazer barulho e acordar alguém na vizinhança. Após levá-lo para dentro, o ajudou a vestir seu pijama e o deixou sentado na cadeira do quarto, indo para a cozinha procurar algo para Harry comer. Porém, quando voltou, encontrou-o deitado na cama, e lá ele havia ficado durante toda a noite.
Cara havia dormido ali, na sala de Harry, numa poltrona velha que ficava perto da janela. Ali encontrou um cobertor, no qual se enrolou. Pensou que talvez fosse melhor ir embora, mas não foi. Harry parecia completamente apático a toda a situação no momento, mas não sabia como ele poderia reagir de manhã, quando acordasse. Tudo poderia ser uma maneira de tentar se proteger do que sentia e do que havia acontecido, mas ela não sabia. Então ficou.
"Harry?" ela perguntou, de leve, olhando para o amigo, que nem ao menos moveu os olhos para encará-la. "Você ao menos dormiu a noite?" perguntou, aproximando a mão e tocando-o levemente na bochecha. Tirou rapidamente a mão ao sentir o mesmo se afastar de seu toque, afundando o corpo mais ainda na cama. "Certo." disse, em um tom triste, sentindo-se completamente impotente diante daquela situação e se levantando, saindo do quarto.
Voltou a cozinha, procurando uma xícara para fazer um chá para si mesma, abrindo os armários. Colocou uma xícara branca em cima da pia, pegando o pacote de camomila e a chaleira.
Porém, antes que conseguisse sequer encher a chaleira de água, ouviu um barulho de vidro se partindo, vindo do quarto de Harry. Largou a chaleira na pia, correndo até o quarto.
Assim que entrou percebeu que Harry já não estava mais na cama. A xícara de chá que havia colocado na mesa de cabeceira continuava ali. A porta do banheiro estava aberta e Cara andou até lá, seguindo o barulho.
Harry estava de pé em frente a pia, com o cesto de lixo, que antes estava no quarto, nas mãos. Não mostrava emoção alguma enquanto jogava todos os produtos de beleza em cima da pia na lata de lixo, com o rosto impassível. Cara podia ouvir os frascos de perfume se quebrando ao atingir o fundo da lata, tanta a força com que Harry atirava os produtos lá dentro.
"O que você esta fazendo?" ela perguntou, quase confusa. "Pare com isso, Harry" ela disse, aproximando-se e segurando o amigo pelo braço. O máximo que conseguiu foi um empurrão que a fez cambalear três passos para trás. Se aproximou novamente, persistente, agarrando-o pelo braço.
"Me larga!" ele gritou, empurrando-a com mais força, quase a derrubando no chão. "Não encosta em mim!" disse, jogando a lata de lixo no chão e saindo do banheiro, desviando dela na passagem.
Cara o seguiu, quase assustada. Sabia que Harry reagiria mal ao voltar ao normal, mas não pensava que seria tão ruim assim.
"Harry, qual é o seu problema, droga?!" perguntou, irritada, vendo-o abrir o armário no quarto e tirar os vestidos de lá, jogando-os no chão atrás de si.
"Isso é meu problema!" ele gritou, apontando para os vestidos no chão. "Eu sou meu problema! Será que não consegue perceber?" disse, com os olhos cheios de água.
"O que você quer dizer, droga?!" Cara gritou, perdendo a paciência.
"Estou dizendo que se eu não fosse.... Assim" ele gritou, irritado, pronunciando a última palavra quase que com desgosto "nada daquilo teria acontecido!"
"Harry, como assim?! Você é o que é! O que aconteceu não é sua culpa, há coisas que não podemos controlar! Você não pode mudar a si mesmo!" ela respondeu, tentando fazer o amigo compreender.
"Não, eu não sou assim", disse, afastando-se de Cara. "Se eu não estivesse naquele lugar vestido como algo que eu nunca vou ser, não teria acontecido!" disse, respirando fundo, com lágrimas escorrendo pelo rosto enquanto continuava a tirar as peças femininas do armário e jogá-las no chão. "Talvez seja isso que aberrações como eu merecem" disse, sem pensar.
"Aberrações?" Cara repetiu, com mágoa na voz, fazendo com que Harry virasse o olhar para ela. "É isso que eu sou para você, Harry? Uma aberração? É isso que todas aquelas pessoas eram pra você?" perguntou, sentindo o corpo tremer de raiva.
"Cara, eu não quis dizer que..." ele começou, tentando corrigir sua frase, assustado com a reação da outra.
"Você disse exatamente o que quis dizer!" gritou, se soltando quando o outro tentou segurá-la pelo braço e saindo do quarto, pisando com raiva, ouvindo o amigo correr atrás de si. Agarrou seus sapatos na sala e se dirigiu até a porta, ainda descalça, abrindo a mesma com irritação, sem se importar com os vizinhos de Harry, que se agitaram na hora ao detectar uma briga.
"Cara!" ele gritou, tentando alcança-la, segurando-a pelo braço. "Vai me deixar sozinho?" perguntou, em um tom de voz amuado, com lágrimas nos olhos.
"Talvez seja isso que aberrações merecem" sibilou, fria, soltando o braço com raiva, seguindo pela calçada, colocando os sapatos rapidamente, sem se importar com os olhares da maioria da população feminina da vizinhança grudados em suas costas.
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Pin Up || Larry Stylinson
Fanfiction{AU} Onde Harry é um transexual nos anos cinqüenta e Louis é um artista de reputação duvidosa.