Capítulo 3

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- Sì papà. Ti amo. Baci. –Desliguei o telefone e assim que me virei, Gretha estava me encarando novamente com aquele olhar de desaprovação, que me dava nos nervos.

- Até quando vai mentir para ele, Sarah?

- Não estou mentindo, Gretha. Estou trabalhando.

- Traduzir livros para sites literários não é um emprego.

- É sim. Sabia que muita gente vive disso? Além disso, também dou aulas de italiano para o Martin.

-Uma vez por semana, e isso mal paga as tintas da impressora. Admita Sarah, se não fosse pelo salário que seu pai me manda todos os meses, já estaríamos na miséria.

- E o que você quer que eu faça Gretha? – Questiono, tentando esconder a irritação em minha voz.

- Você sabe exatamente o que eu penso. Sou a pessoa que mais torce por seus sonhos, minha querida, mas você precisa aprender a ter os pés no chão. Precisa sonhar, mas, com prudência. Estou tentando te ensinar a equilibrar razão e emoção. Você precisa ter equilíbrio ou porá tudo a perder, e isso irá prejudicar muita gente e... –Gretha já estava ficando nervosa outra vez quando se calou de repente, e mudou de assunto.

- Vou comprar nossos cafés. –Disse ela antes de desaparecer pela porta do minúsculo apartamento que morávamos.

Já tinha tido aquela pequena discussão com minha madrinha centenas de vezes. E embora tenha que admitir que ela tenha certa razão, não cheguei até aqui pra desistir. Deixei tudo na Itália: minha família, a vinícola, o restaurante, a faculdade de gastronomia e até meu noivo, para vir a Londres e realizar meu sonho. Papai nunca deixaria eu abandonar os negócios lucrativos da família para ser escritora. "Não enquanto morar debaixo do mesmo teto que eu. Minha casa, minhas regras", era o que ele sempre dizia. E quem poderia discutir com o Poderoso-Chefão Lorenzzo Belucci? Em pleno século XXI, meu pai ainda exercia o poder absoluto sobre todos os funcionários. Seguidor fiel de tradições e costumes, ele não acreditava que "ser escritora" seria uma profissão digna de uma Belucci. Ler por diversão? Tudo bem, mas fazer disso uma carreira e deixar de lado a produção de vinhos e o restaurante? Nem pensar. Por isso decidi que já estava passando da hora de cuidar da minha própria vida.

Jane Austen ficaria orgulhosa de mim. Passei os últimos dois anos planejando minha partida. Economizando cada euro que ganhava com mesadas e gorjetas do restaurante de mamãe, e finalmente criei coragem de enfrentar papai. Juntar dinheiro, escolher Londres como destino, providenciar documentos, essa foi a parte fácil. A parte difícil foi sair de Florença sem provocar um ataque cardíaco em meu pai. Sou a caçula de cinco filhos e a única mulher. Já viu né?! Ele ameaçou me deserdar, me arrumou um noivo na esperança de me prender na cidade, fez de tudo. Mas se tem uma coisa que herdei dele, foi a teimosia. No fim, Gretha e mamãe o convenceram, mas com algumas condições: "Gretha irá com você. Pagarei o salário dela como sua acompanhante, e você tem que me ligar e me escrever sempre. Quero você aqui em todos os natais." É um preço muito pequeno a pagar pela liberdade. Papai me amava, e o ponto fraco de Lorenzzo Belucci sempre tinha sido as mulheres de sua vida, eu, mamãe e Gretha, que estava em sua família há mais de 40 anos e era uma espécie de mãe para ele.

Bom, aqui estou eu. Me mudei há mais de oito meses e apesar de todos os meus esforços e anos de dedicação, nenhuma editora quer publicar meu livro. Todas alegam o mesmo "romance sem originalidade e amador demais". Mas eu não desisto, também disseram isso de Orgulho e Preconceito. Mas talvez, todos tenham razão, está na hora de acordar para a realidade.

Gretha está demorando, por isso decido ir atrás dela e tomar o café na cafeteria mesmo. Quando chego, ela está parada observando o finalzinho de uma reportagem na TV, com os olhos perplexos.

- Madonna mia, já começou! – Ela exclama, e não sei do que está falando, mas, quando me vê ela se assusta. – Oh, Sarah, me desculpe. Me distrai enquanto o SrºMerle atende aquele belo rapaz. – Paro para observar a que rapaz ela se refere. É um homem elegante, bonito, mas com cara de cansaço, como se não dormisse há noites. Tenho a sensação de conhecê-lo de algum lugar, mas com certeza é apenas impressão, pois se conhecesse um homem como aquele, não esqueceria facilmente. Ele também olhava para a televisão com uma expressão de incredulidade, quando foi interrompido por seu celular. Seja lá quem for que o estivesse ligando, devia ser alguém importante, pois ele ficou tão nervoso que derramou café, ou seja lá o que estivesse tomando, em sua camiseta branca e saiu em disparada. Dou uma risadinha, lindo, elegante e desastrado, se for inteligente e educado, é o homem da minha vida, penso.

Passo o restante do dia pensando em tudo o que Gretha me disse. Ela anda estranha ultimamente, como se estivesse me escondendo algo e sua inquietação não fosse apenas a falta de recursos financeiros. Será que devo deixar meu livro em segundo plano, pelo menos até me estabilizar? Realmente não sei. Mas, por um momento, tenho a impressão que vou descobrir em breve. 

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