Unico - Conto de um desconhecido.

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Amor à primeira vista sempre me foi bobagem. Amar alguém pela imagem era a coisa mais ingênua que qualquer coração poderia fazer. Eram coisas rápidas, que passariam tão repentinamente quanto começariam, uma pura atração física e tola por desconhecidos. Sentimentos e tempo desperdiçado, por alguém que não se sabe nem o nome.

Talvez seja por isso que "Amor" já perdeu seu significado a muito tempo. E pensar que o "amar" já teria causado guerras, mortes e tantas outras grandes consequências que recheiam livros de histórias por toda parte. Talvez ele seja só um sonho, só algo que fica bonito ao lado de um pouco de drama nas páginas de um livro qualquer. Afinal, amor não possui um elemento químico, um peso, uma massa, uma cor, uma forma ou, até mesmo uma. Nada sobre ele nada é concreto, nada é provado.



E mesmo sabendo de tudo isso, estou aqui. Sentado na porta de casa, com o brilhante e ardente sol sobre minha cabeça, aquecendo a bagunça que chamava de cabelo e fritando meus últimos neurônios saudáveis . Eu não devia estar ali, não podia estar ali, mas não queria estar em nenhum outro lugar.

O grande mistério, para mim, é saber como cheguei aqui. Em que momento de fraqueza me deixei levar por esse sentimento irracional e poderoso, ao qual sempre tentei evitar. Em que estado de total embriaguez sentimental teria tomado a coragem de faltar a minha aula de música para observá-lo ao outro lado da rua, torcendo desesperadamente para não ser pego.

Ele não era o garoto mais lindo do mundo. Na verdade, não chegava nem perto. Sua cabeça era raspada, sua pele clara e, até, meio pálida, seu corpo era normal, como o de um adolescente terminando suas mudanças deveria ser, olhos castanhos comuns, roupas apagadas. Nada nele chamava atenção, nada era definitivamente único e especial. Mas, a mistura de tudo se mostrava única. Ele se mostrava especial.

Acho que foi quando derrubei minhas coisas no corredor, vários alunos passaram por cima, como se nada estivesse acontecendo, com a mesma estupidez humana, a qual já estava acostumado. Recolhi os cadernos de fisica e química, assim como os livros de sociologia e história. Mas não recolhi meu livro de inglês, ele veio até mim, carregado por alguém que tomaria minha atenção por muito tempo.

Eu já havia começado a agir de forma irracional naquele momento, pensando se ele já teria olhado para mim antes, se ele reparava em um simples aluno do primeiro ano que preferia ficar horas com seus livros do que com qualquer outra coisa. Obviamente, não.

Ele estava fazendo lição no jardim. Algo incomum, mas para mim tudo já estava, no mínimo, estranho nesse caso todo. Me sentia como um psicopata olhando uma vítima inocente, prestes a ser pego e preso pelas autoridades locais.

Estava tão perdido em meus pensamentos que, nem sequer, notei quando ele sumiu do meu campo de visão. Não estava mais estudando embaixo da árvore de seu jardim, nem por perto dali. Devia ter entrado, cansado de ser observado pelo estranho ou só fugindo do sol forte daquela tarde. Desejava que o sol fosse mais irritante que eu.

Eu entraria também, iria terminar meu livro, guardado no quarto, e pensar em mais algo para fazer. Mas todo o calor daquela tarde passou, trocado pelo gelo que correu em minhas veias quando alguém se sentou ao meu lado. Não precisava olhar para saber quem era, já havia decorado tantos traços que me parecia impossível não saber.

Meu rosto queimava e minha pele se tingia de vermelho. Minha mente já imaginava milhões de possibilidades para o que viria a seguir. Talvez ele me desse um soco, irritado com meus olhares até ali, chamando toda a atenção que eu não desejava para meu pequeno problema emocional. Talvez conversasse comigo e perguntasse o motivo de olhá-lo, coisa que eu, obviamente não saberia responder, ou conseguiria responder. Talvez ele somente pedisse para parar de olhá-lo e me deixasse ali para morrer de vergonha. Talvez...

Mas ele não fez nada. Somente ficou ali, olhando para frente e respirando. Eu não olhei para ele nem um momento sequer. Palavras não pareciam existir para nenhum de nós ali. Somente dois olhares fixos para a rua deserta à frente, e duas respirações dançando ao espaço do silêncio.

Não sei quanto tempo se passou ouvi que aconteceu. Aquela proximidade não me deixava só nervoso, como a ansiedade que algo acontecesse não me matava só por dentro. Pensei em dizer algo, mas as palavras em minha mente estavam em uma línguas estranha é desconhecida, que fazia palavras sem sentido que não conseguiria pronunciar nem que tentasse. Em um momento qualquer ele se levantou, voltando a estudar no mesmo lugar, como se não tivesse feito um único movimento.

Mas ao meu lado algo havia mudado. Um pedaço solitário de papel praticamente brilhava com o sol forte. Peguei-o com cuidado, abrindo-o aos poucos e lendo o que estava escrito. Olhei para ele novamente, ainda estava lá. Sorrindo estranhamente para se caderno, mas eu sabia o motivo. O motivo que também me fez sorrir.

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