C A P Í T U L O IV

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Ter escutado meu nome vindo da boca dele foi um tanto estranho. Eu já havia acostumado a ouvi-lo me chamar de esquisita, cabeluda, aberração, mas não de Zolla. Não consegui me mover, infelizmente eu precisava dele. A enorme quantidade de lixo em minha frente era exorbitante. Coisas na quais eu nem sequer imagino o que seriam. Lixo humano de cem anos atrás.

—Está vendo aquilo ali? –escutei a voz de Brad enquanto ele apontava para um monte de ferro velho logo a frente —Aquilo, era um carro.

Eu me apressei em chegar mais perto. Meus olhos arregalaram-se com o que viu. Não era apenas um monte de ferro velho, era a carcaça de um carro. Eu nunca tinha visto um.

—Parece engraçado. –eu disse cruzando meus braços.

—Engraçado? –Brad me olhou cerrando as sobrancelhas. —Era com isso que as pessoas se transportavam antigamente.

Ele caminhou um pouco mais perto do monte e chutou algumas peças. Eu o observava caminhar ao redor como se estivesse admirado. Tudo bem que era uma coisa que ninguém em Paldin tinha visto, mas eu não conseguia me concentrar com coisas assim enquanto sabia que morreria em poucas horas.

—Você sabe que não temos tempo. Não vamos conseguir respirar a noite. –eu disse me aproximando.

Houve um silêncio por alguns segundos.

—Não ouviu o que eles disseram? Somos diferentes. –ele ajeitou sua mochila nas costas e continuou caminhando. —Vamos, temos muito o que fazer.

Suas pernas longas eram rápidas enquanto as minhas demoravam para alcançá-lo. O ar era extremamente seco e pesado, era difícil respirar ali. A crosta de poeira que nos circundava ficava cada vez mais espessa. O céu estava incrivelmente limpo e lindo. Basicamente, não se via um céu assim em Paldin. Um vento forte, mas refrescante, bateu no meu rosto fazendo meus cabelos voarem e minhas bochechas arderem. Brad estava do meu lado e parou por um minuto. Eu me assustei e parei em seguida o encarando.

—O que foi? –eu disse.

—Hum... Nada. –ele continuou caminhando sem rumo.

XX

Minhas pernas estavam latejando com a dor. Estávamos andando sem saber para onde por horas. Eu já estava cansada. Já era noite e nem sequer tínhamos achado algo.

—O que aquele homem tem na cabeça? Eles enviaram duas crianças para morrer. –eu cheguei mais perto de Brad que nem sequer parecia cansado.

—Nós não somos crianças. –ele disse num tom sério e parou. —Está vendo o que eu estou vendo?

Balancei minha cabeça tentando enxergar alguma coisa que não fosse apenas vultos ou areia.

—O que estamos vendo? –eu disse.

—Onde vamos dormir hoje. –ele estava ficando louco? Como íamos dormir?

Seus passos apressados foram direto pra o que provavelmente seria uma casa abandonada, ou o que tinha sobrado dela.

—Tem um teto aqui. É melhor descansar pra procurarmos mais pela manhã. –ele jogou sua mochila e se atirou no chão.

Assim que o fecho foi aberto, ele tirou barras de proteínas. Eu estava morrendo de fome. Ele me olhou e depois acenou para o chão.

—Tem mais disso na sua mochila. Não me olha com essa cara de esquilo sem nozes. –o que ele queria dizer com aquilo?

Me sentei no chão e abri minha mochila. Comi a barra em segundos.

—Como vamos fazer amanhã sem nossa dose diária? –eu disse me ajeitando ali.

—Nós não precisamos dela, não ouviu o velhote? –ele era tão ignorante.

—E você acredita mesmo naqueles caras? –eu estava irada.

—Cabeludinha, vai dormir. –ele se virou e calou.

—Não posso. Não tenho meu respirador. – respirei fundo.

—Quantas vezes vou ter que te dizer que somos diferentes? Você e eu não precisamos disso. Agora deite aí e vá dormir porque o dia vai ser longo.

Bufei com raiva daquele idiota. Provavelmente aquela touca fedia, ele não a tira por nada. Eu fiquei horas olhando aquele pedaço de pano em sua cabeça. Será que eu podia puxá-la? Mordi minha boca tentando afastar meus planos malucos da cabeça. Minha curiosidade estava me matando. O que será que ele tinha ali em baixo? Um buraco cheio de larvas? Uma cicatriz feia? Uma cabeça grande? As possibilidades estavam me matando. Decidi me virar e não olhá-lo. Eu não iria dormir, claro. Não me arriscaria morrer sem ar. Ele era louco de conseguir dormir tranquilo.

Meus olhos estavam completamente fechados e eu estava prestes a pegar no sono. Mãos. Mãos estavam no meu pescoço me impedido de respirar. Eu pensei que meu corpo estava entrando em colapso e que estava em um pesadelo, mas não era um tipo de sonho ruim. Era Brad. Seus olhos estavam vidrados, ele me encarava com ódio enquanto me enforcava. Eu tentava sair. Eu tentava me mexer, mas era tudo inútil. Palavras não se formavam na minha boca. Meu corpo foi perdendo a força e eu fui sumindo devagar.

—Brad... –eu disse com dificuldade. Ele estava em transe.

Um impacto forte atingiu sua cabeça e ele me soltou. Eu só vi um vulto. Um homem. Meus olhos se fecharam.

Manual de sobrevivência em Paldin - Como sobreviver sem águaOnde histórias criam vida. Descubra agora