França, 1456
Kenna seguiu uma última vez o caminho da carruagem com os olhos, vendo a outra breve vida que também já deixara para trás.
Sua mãe estava quieta, olhando o mar sem fim de árvores, como se aquilo fosse a coisa mais interessante que já vira em toda a vida. Ela apertava o lenço contra as mãos, em uma maneira desesperada de enxugar o suor que deixava seus dedos mais lisos que cera fria. Seu irmão mais novo dormia no colo de sua mãe, altamente despreocupado com a situação. Kenna desejava ser uma criança novamente, para que nenhum problema parecesse o fim do mundo e conseguisse manter a calma quando parecia impossível. Jonathan conseguia fazer isso, e muito bem. Por um minuto, ela desejou ter oito anos novamente, poder dormir sem culpa e não ter de lidar com o fardo de ser a adulta.
– Seguiremos para Viena. – Alertou a mãe para o cocheiro, que virou a direita, fazendo Kenna sentir o solavanco da carruagem após uma brusca curva. – Chegaremos pela manhã.
– E o senhor meu pai?– Perguntou Kenna para a mulher imponente que era Rose Dinkley, sua mãe.
– O deixaremos na igreja, com o reverendo. Para aqueles que encontram seu fim traçado, tudo que lhes resta é buscar a misericórdia de Deus e implorar por um lugar no reino dos céus. Vamos, Kenna. Está na hora de orarmos. – Rose estendeu a mão para a filha, em busca de um toque quente para iniciarem o primeiro verso do pai nosso. Rezar naquele momento era tudo que lhes restava.
Kenna já perdera as contas de quantas vezes ela e a família tiveram de se mudar no mesmo mês. Desde que a fatídica peste se espalhara por todo o continente, tornava-se cada vez mais difícil fixar moradia em um lugar certo. As notícias se espalharam depressa. A fúria de Deus caiu sobre a humanidade, e levava os piores pecadores primeiro. Vossa Santidade disse, ele mesmo. O fim dos tempos chegou, e a peste limparia o mundo do sujo pecado.
Quando a peste ameaçou atravessar os muros de Avignon, o Duque Dinkley, pai de Kenna, retirou a família de suas camas no meio da madrugada. Os servos não poderiam saber que o duque havia os abandonado para morrer pela punição divina e assim, a vida pulando de cidade a cidade iniciou-se para a família Dinkley.
Como se não pudesse piorar, rei Felipe, o belo, assim conhecido por toda a França, faleceu por intermédio da maldita praga. Não demorou muito para os ingleses começarem seu plano, e quererem instalar um de seus nobres gordos para ocupar o trono francês. Fora o estopim para a nação e o início da guerra.
– Não entendo, mamãe. – Começou Kenna, querendo iniciar um assunto mais para quebrar o silêncio do que pela própria curiosidade. – Se nossa família é realmente tão devota ao Senhor dos Céus, por que temes que sejamos atingidos pela peste negra?
– Não tenho medo de Deus, querida. Tenho medo da humanidade.
Jonathan remexeu-se um pouco no colo da mãe, virando-se para o outro lado. Sua respiração estava calma, como se dormisse em sua cama em qualquer outro dia. Kenna já se acostumara com seu irmão e seu sono de pedra.
– Ainda não me falou qual o motivo de estarmos indo à Viena. O perigo de sermos pegos pelos ingleses durante o trajeto é simplesmente gigantesco, mamãe.
– Não temos escolha, querida. Com o falecimento de seu pai, Jonathan agora é o herdeiro dos Dinkley, Ainda não temos certeza se os Valois realmente tomarão o trono e contra atacarão a resistência inglesa no oeste. Precisamos ir até Viena, encontrar o seu noivo. Dentro do castelo Grier estaremos em segurança.
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Perfeita Sincronia
Ficción históricaAté onde chega nosso instinto de sobrevivência? Vale tudo para tentar continuar viva, enquanto uma epidemia devora um país? Para Kenna, sua vida sumiu a partir do momento que surgiu a primeira vítima da peste negra. Depois de perder o pai para a ter...