As idades variavam, talvez preferissem as mais jovens. A única relação que ligava o sumiço destas crianças, o destino de seu desaparecimento, eram os gatos. O meu filho foi uma delas. Desde daquela noite de uma lua excepcionalmente cheia - nunca mais o vimos. Eu me sinto vazio, culpado, não há como medir esta dor, eu estava lá, paralisado. Sem conseguir levantar um dedo, gritar, correr, lutar pelas nossas vidas ou pedir por socorro. Mas como explicar para uma criança de seis anos de idade, sem destruir a sua fantasia, que os gatos não falam?O Pai Dos Gatos
O que eu vou lhes contar aconteceu assim que nos mudamos para esta cidade. Uma destas cidades escandinavas onde em tempos antigos superstições envolvendo libações de inocentes serviam como alimento a deuses esquecidos - até que o progresso e a cruz deixaram apenas descobertos algumas ruínas feitas de pedra que em tempos mesmo remotos faziam parte de um culto prestes a ser abandonado.
A minha esposa Helena acabara de ser promovida e com uma remuneração irrecusável fora encarregada de restaurar o altar de uma igreja, também antiga, nesta cidade do interior. Apesar de não gostarmos do norte, principalmente no inverno, pelos seus longos dias de escuridão e o frio inumano; o dinheiro e a facilidade de termos uma casa nos esperando e o plano de retornamos assim que o seu trabalho estivesse concluído nos fez aceitar a proposta.
Eu me chamo Jacob. Sem questionar as possibilidades do que viesse acontecer, fiz o que fazia sempre; aquilo que é de costume para alguém desempregado e que insiste em viver de sua própria maneira, remando contra a corrente e tentando ao mesmo tempo negociar com ela, usando a sua imaginação. No meu caso era escrever histórias, um roteiro, quem sabe um romance? Nunca consegui ganhar dinheiro com isso, com nenhuma destas atividades. E trocaria toda a imaginação, toda a inspiração do mundo, para voltar atrás no tempo e não ter que vir para este lugar, tão pequeno quanto escuro, tão frio e implacável quanto a surpresa macabra que iria nos assolar nos próximos dias. Era uma cidade isolada em uma floresta congelada onde todos os habitantes poderiam ser contados nos dedos assim que entrassem no único supermercado que existia por ali.
Nos mudamos com o nosso filho Santiago, o qual eu tomava conta desde que nasceu. Eu estava farto da cidade grande. Não conseguia trabalho, e cheguei a um ponto, para lhes ser honesto, que eu nem queria trabalhar mais. Então, quando a minha mulher entrou em nosso apartamento, radiante, com a sua nova proposta, não pensamos duas vezes; por que não? Nos mudamos o mais rápido que podemos.
A casa era espaçosa, em uma vila, onde outras casas eram cercadas por uma floresta coberta de neve que segundo os vizinhos "nos dá uma sensação de segurança, de que não existe nada no outro lado". Não preciso dizer que em poucos dias já sabíamos que tipo de lugar era aquele; um lugar pequeno e tranquilo, entediante, onde as pessoas vivem um dia após o outro sem esperar que o futuro seja lá muito diferente do passado.
Helena havia ido visitar a igreja qual iria restaurar. Santiago, em seu primeiro dia na escola, esperava que eu fosse buscá-lo mais cedo. Tudo era novo para todos nós. E eu estava em casa sozinho trocando o papel de parede de um dos quartos quando ele apareceu em nossa porta. O vi do alto da escada. Pus o pincel com a cola no parapeito da janela. E o observei por algum tempo. Pensei que estes encontros se dessem no verão, onde viajantes perdidos e cansados como ele despertassem um tipo de pena, empatia, naqueles que se encontram em determinada parte do dia, também sozinhos. Fiquei encarando a porta fechada, indeciso, se deveria abri-la ou não. Olhei pela janela da cozinha. Ele ainda estava lá, na mesma postura como havia chegado, e desta vez lambeu uma das patas. "Por que não?" Abri a porta lentamente para não assustá-lo e para a minha surpresa ele não estranhou quando me aproximei. Pelo contrário, permaneceu parado, na escuridão da tarde como se esperasse que eu o convidasse para entrar. E foi o que eu fiz. Quando eu saí da frente da porta aberta e disse: "Vem, pode entrar!" ele pulou para dentro de casa e timidamente circulou entre as minhas pernas roçando o seu pelo cinza e gelado de maneira amistosa e satisfeito. Tinha que ir buscar o meu filho na escola. Antes de ir embora abri a geladeira e pus um pouco de leite em um pires perto do radiador. "Daqui a pouco eu volto!" - lhe disse antes de sair.