Capítulo Único

3.1K 324 52
                                    


Eram já mais de onze horas, e eu ainda estava com o mesmo problema perturbando minha mente. Não, não posso chamar isso de problema sem que ofenda isso tão precioso que mantenho nos braços.

Estranho dizer que me encontro nessa situação. Quando voltei à vila, já esperava por mudanças, por situações inusitadas e totalmente novas, afinal eu ainda era um Uchiha e, além disso, possuía uma filha, uma herdeira do meu sangue. Contudo, algumas coisas não tive como prever... Me apaixonar de novo não estava mesmo previsto, muito menos de forma tão patética.

A cena é pacata, chega a ser tola e sem valor algum para os de fora, mas para mim... para mim, era assombrosa e havia começado no momento em que eu havia pisado em casa.

Ouvi os passos apressados, pude identificar a movimentação do chakra e esperei. Sarada apareceu no topo da escada, tentando parecer séria e indiferente à minha chegada. Entretanto, as mãos estavam ao lado do corpo, apertando o tecido da minha camiseta que vestia.

— Tadaima — avisei, sabendo que ela esperava por ouvir aquilo.

Os lábios finos desenharam um sorriso discreto enquanto ela descia as escadas.

— Okaeri.

À minha frente, com os braços para trás do corpo, sem conseguir me encarar por muito tempo, ela permaneceu parada.

Levei minha mão ao cabelo dela, acariciando de forma sutil antes de passar por ela e subir as escadas.

Estranho. Impessoal.

Mesmo que meu coração estranhamente se aquecesse com aquela cena, eu não sabia como atender às expectativas dela. Éramos dois estranhos um para o outro, mesmo que eu soubesse de cor tudo que Sakura havia me contado sobre nossa filha. O medo de decepcionar Sarada sempre me cercava, e eu vacilava sobre como agir com ela. Ela gostaria de ser abraçada? Estranharia se eu segurasse sua mão ao sair na rua? Esperaria que eu a protegesse de possíveis pretendentes no futuro? Que pai ela queria que eu fosse?

Enquanto caminhava para meu quarto, ouvi os passos leves dela me seguindo. Sarada sentou-se na minha cama, balançando os pés e esperando que eu tomasse meu banho. Tudo em silêncio. Era angustiante.

Da mesma forma que eu não sabia como me expressar, ela também não sabia o que fazer. Mal de família. O máximo que podíamos fazer era nos analisar, ficar procurando um nos olhos do outro a autorização para um contato mais pessoal, a repreensão para algo que nos desagradasse. Era como entrar por vontade própria em uma armadilha. E, estranhamente, eu não me importava.

Sai do banho e me vesti quase da mesma forma que ela. Uma camiseta escura com o símbolo do clã, uma calça de moletom folgada. Ela pegou a toalha que displicentemente eu havia deixado sobre a cadeira e a levou consigo, saindo rapidamente pelo corredor. Suspirei de forma pesada, descendo as escadas para esquentar nossa janta. Perguntas sobre como havia sido nosso dia, com quem nos encontramos, se havíamos feito algo novo eram tão superficiais que nenhum de nós dois as fazia. Lembrava-me de agradecê-la quando ela se voluntariava para lavar a louça, mas sempre retirava os pratos de suas mãos, lavando eu mesmo enquanto ela ia à sala e ligava a TV ou então subia para estudar no quarto. Hoje, ela havia subido.

Por algum motivo que desconheço, meus ombros pesaram quando ela se afastou. Uma vontade subida de segui-la se fez presente e, assim, fiz. A surpresa e o brilho nos olhos negros, tão parecidos com os meus, me deram a confirmação de que agira certo. Sentei-me na sua cama, esticando as pernas e assistindo-a estudar. Ou tentar.

Sarada me olhava pelo canto do olho, parecendo inquieta ou temerosa de que me levantasse e saísse dali. Sem dizer nada, estiquei a mão em sua direção.

Ela ergueu a cabeça e me olhou com os lábios entreabertos. Relutante, fechou o livro e arrumou a mesa, ainda olhando para mim para conferir se o convite estava de pé. Passos vacilantes a guiaram até a cama. Ela sentou-se do meu lado, sem encostar em mim, olhando fixamente para as próprias mãos no colo.

Dez anos. Havia perdido dez anos da vida dela. E agora estávamos ali, como dois estranhos tentando vencer uma barreira que existia unicamente por minha culpa.

Fechei os olhos, respirando fundo enquanto me inclinava para passar um braço pelas costas dela e o outro, regenerado pelas células de Hashirama, pelas pernas. Sem dar tempo para que ela dissesse alguma coisa ou se assustasse, trouxe-a para meu colo. Minha mão direita foi ao seu cabelo, fazendo com que ela deitasse a cabeça sobre meu peito, deslizando os dedos pelas mechas escuras.

Ela sorriu discretamente, ajeitando-se melhor e apertando minha camiseta firmemente, talvez com medo de que aquele contato durasse menos do que queria.

Meu coração estava batendo acelerado, e parecia que eu finalmente havia encontrado o conforto que me faltava. Abracei-a com força, impedindo que ela saísse, mantendo-a sempre junto a mim.

Minha filha... Era tão estranho falar isso. Não parecia verdade ainda. Talvez pela minha ausência, talvez pela falta de intimidade, mas a verdade era que, embora soasse estranho aos ouvidos, minha mente, todo o meu eu sabia que era minha filha ali nos meus braços.

Quando ela adormeceu, tão serenamente, o problema que citei anteriormente se apresentou a mim. Mesmo sabendo que deveria deitá-la na cama, cobri-la e sair do quarto, não conseguia. Simplesmente, não conseguia. Não havia vontade, não havia motivo que me fizesse abrir mão daquele contato que me fazia sorrir discretamente, que, inusitadamente, deixava-me feliz. Meu cérebro não comandava as ações, não me convencia de que aquilo era mesmo necessário. Em vez disso, uma estranha alegria me envolvia, morna e silenciosamente, obrigando-me a permanecer ali. Parado, quieto, ouvindo a respiração serena de Sarada, observando-a dormir tão tranquilamente com um sorriso leve no rosto. Meus dedos não deixavam de contornar-lhe cada traço, como se buscassem gravá-lo em minha memória. Meus braços não deixavam de se ajeitar, procurando uma posição mais confortável para que ela repousasse. Meus olhos não a perdiam em nenhum momento. E... meu coração... não parava de bater forte contra o peito, agitado por finalmente ter aquilo que mais amava tão perto.

Não dormi, fiquei acordado velando o sono dela durante toda a noite e não me importei ao ver o sol começar a nascer pela janela aberta. E, quando ela abriu novamente os olhos, coçando-os de forma pueril e preguiçosa, quando me encarou daquele modo tão acolhedor, tão sonhador, com tanta admiração, não consegui não sorrir, encostando nossas testas com os olhos fechados, rindo baixo por ser tão tolo.

Ah, coração, seu maldito, parece que sua filha não teve dificuldade alguma em conquistá-lo, não é? Tudo bem, posso conviver com isso, até porque ainda não estou pronto para soltá-la e chego até a duvidar que um dia esteja.

Sarada, minha Sarada, minha filha, minha pequena amada Uchiha, acho que nunca deixarei que saia de meus braços novamente.

)x��ܲ��

Não saia dos meus braçosOnde histórias criam vida. Descubra agora