Amizade Interjetiva

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Há dias que me pergunto qual o real sentido da amizade. Pergunto-me o que vem a ser isso, o que move o que se sente. Não que eu nunca tenha sentido, muito pelo contrário, possuía poucos e bons amigos. Em especial, meu ex-melhor amigo. Sempre que podia eu fazia questão de expressar o quanto ele significava pra mim. A resposta não era muito satisfatória. 

- Você é meu melhor amigo! - dizia eu, empolgada e muito terna por sinal, o que contrariava alguns aspectos comportamentais meus. 

-Uhum, eu sei! 

Essa interjeição sempre me intrigou um pouco. Eu nunca entendia o que o interlocutor, no caso o cara com que eu adorava passar boa parte do meu tempo, queria dizer. Se for uma afirmação, uma negação, dúvida, não se sabe. Talvez um oposto, uma adversão. Eu sabia que os termos ‘eu, você, melhores amigos’ causava essa resposta interjetiva, interjeitada, interjeiçonada! 

Resolvi alterar as palavras e abusar do exagero, quem sabe comoveria. Ou não! 

- Você é o melhor amigo desse mundo! 

- Sério?

- Claro! 

- Uhum! 

Muita coisa já havia mudado. Uma pergunta veio antes daquela maldita interjeição, aquele murmúrio. Talvez duvidasse do que eu sentia. Eu, presa aos meus devaneios convencionais acreditava ser uma boa resposta: afinal entre nós havia um diálogo. Curto, mas havia. E os mínimos segundos de silêncio que havia entre o nosso curto diálogo me deixavam impaciente e escarlate. Talvez pelo esforço de buscar lá no fundo um assunto que pudesse dizer respeito à nós dois. Mas os assuntos alheios era o que nos acorrentava. Ou nos afastava aos pouquinhos.

- Nossa! - disse ele todo interjetivo- Eu no lugar dela teria feito o mesmo! 

- Mas por quê? Isso não se faz! - Eu poderia ter escolhido outro momento para defender minhas convenções.

Depois daquele fio de assunto puxado é que eu realmente entendi o que se passava entre mim e ele. Nós éramos pólos opostos que não se atraiam em nenhum momento. E a lei que puxava os corpos para perto era a necessidade que eu tinha de sentir o que era uma amizade verdadeira. E suas interjeições só enfatizavam o que eu não queria ver: as diferenças entre nós nos mandando pra longe, bem longe. Até que soou o grito final. 

- Mas eu penso assim, não dá pra mudar! 

- Dá sim, é só querer. 

Se fosse realmente uma questão de ‘só querer’, queria não ter brigado, queria ter um melhor amigo, o melhor amigo do mundo. 

Até que com o passar do tempo não havia esforço da sua presença, pois ela já não mais existia. Falar da vida alheia não funcionava mais, pois não havia com quem comentar. Eu não precisava mais forçar assunto, já que tudo tinha se resumido nas meras formalidades da educação. 

- Bom Dia! 

- Dia. 

Até que não nos falávamos mais. Eu com meus devaneios, ele com o seu silêncio. Ele sabia o que era amizade, tinha outra melhor amiga, sua melhor amiga, a melhor amiga do mundo, o que eu tanto queria ser para ele. 

Me fechei, me dobrei, e me guardei no meu mundo, casa um no seu caminho, sem dar ao outro o mínimo de atenção.

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