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ii. cup of courage

O ônibus era uma lata-velha. O para-choque continha diversas figurinhas coladas e as lanternas eram semelhantes às de um fusca. Já se pode imaginar que não tinha ar-condicionado, wi-fi e sequer cortinas, mas aqueles bancos cobertos com uma capa de retalhos vermelhos e azuis deixaram os olhos de Louis muito brilhantes. O castanho se acomodou no fundo, na janela da direita, junto com a caixa de sachês de chá, seu celular e ao lado de algumas senhoras sorridentes. Aos poucos as pessoas iam chegando, e ele gostava de observar cada uma das mulheres com panos coloridos no cabelo, com brincos grandes e pequenos, com roupas consideradas "da moda" e algumas mais ultrapassadas, os homens que eram quase todos iguais, com alguma calça de linho, sapatos de couro e camisa social e algumas crianças com brinquedos sem graça nas pequenas mãozinhas. Havia uma pequena aglomeração de três pessoas e um gato do lado de fora, agarrados como se fossem se fundir uns aos outros. O motorista finalmente subiu e se acomodou no banco de molas protuberantes, colocando o velho cinto desfiado e apertando um botão verde que fez a porta lentamente começar a se fechar.

É agora, é agora, é agora, isso era o que repetia a mente de Harry quando notou as portas velhas fecharem e as lanternas do ônibus a sua frente acenderem. Sua mente formulava um plano mirabolante nesses segundos e tudo o que era necessário, era que os olhos de Gemma permanecessem fechados. E não permaneceram.

— Ei, espera aí, moço! — ela gritou, fazendo diversos rostos virarem para os três, inclusive o do motorista. — Meu irmão ainda não embarcou!

Foi aí que os olhos de Harry se encheram de lágrimas, o nariz congestionou e tudo que ele queria era sua casa, o colo de sua mãe e alguma trilha sonora de filme romântico. O motorista parecia impaciente enquanto apertava novamente o botão.

— Haz, isso é preciso, você sabe... Eu e Gemma estaremos aqui quando voltar nas férias — Anne disse, com o coração um pouco partido.

— Você sabe que sim, maninho, agora é melhor correr porque aquele motorista está te fuzilando com os olhos.

Eles se abraçaram mais uma vez, o cacheado acariciou a pequena gatinha e se preparou para entrar naquela lata de sardinha.

Diversos olhos observavam enquanto o motorista saía de seu lugar, raivoso e com certa dificuldade, para abrir o bagageiro. Não trocaram palavras e, depois de todo o procedimento, Harry finalmente subiu no ônibus, sabendo que estava em um tom vermelho vivo e que era esse o motivo dos olhares de pena e até de ignorância. Segurou firme a pequena bolsinha de colo que carregava e se sentou no único banco que encontrou vazio, o banco da janela, na penúltima fileira, logo encostando a cabeça no vidro empoeirado.

Louis o observava. Porque, por incrível que pareça, eles eram os únicos que aparentavam ser adolescentes ali. O cacheado não o viu, porém. E logo, o sono o pegou.

A viagem seguiu lenta e silenciosamente, poucos murmúrios eram ouvidos dentro do ônibus e o mais alto que se conseguia por lá era o chiado do velho rádio que tocava alguma música da época de 60. Eles seguiram por estradas bonitas e verdejantes, algumas mais modernas e equipadas com grandes relógios tecnológicos entre algum ponto e outro, que informavam as horas, o clima e a data. Os olhos verdes de Harry ainda continuavam bem abertos, mesmo que sem nenhuma distração que considerasse tão digna. Eles olhavam a bonita paisagem, o sol leve que se punha ao longe mesmo que ainda continuasse frio, suas orelhas frias e pálidas ouviam a melodia antiga da música que se tocava ao longe e seu nariz se deliciava com um cheiro até então desconhecido: era doce, meio cítrico e ainda másculo — embora não tanto —, e o melhor de tudo: estava próximo. Ele se virou lentamente e teve o vislumbre de um garoto que ainda não tinha visto. Ele era pouco bronzeado, nariz fino, franja lisa em um loiro escuro ou castanho claro e o resto de seu cabelo estava escondido em uma beanie azul, os olhos estavam fechados e ele ressonava baixo. Sem dúvidas, uma distração muitíssimo digna.