Ano: 2456
Ouviu-se um bombardeamento à distância. Lily começou a correr na direção oposta, sem olhar para trás.
O caos reinava: pequenos incêndios formavam-se por todos os lados, as ruas estavam cobertas de corpos inconscientes. Os edifícios ruíam. Ouviam-se pedidos de socorro por todos os lados. As crianças choravam procurando os pais que já há muito haviam morrido. Os gritos de aflição ressoavam-lhe nos ouvidos.
Lily continuou a correr, desviando-se dos obstáculos que se opunham. As pernas começavam a falhar e o cansado começava a levar a melhor. Já corria há muito tempo. Não ia conseguir. Não ia conseguir chegar ao abrigo. Respirou fundo e procurou uma réstia de força que a permitisse continuar, nem que fosse por mais uns metros. Estava quase lá. Já conseguia ver ao longe a porta enferrujada que dava para o velho armazém a que ela agora chamava de lar. Ia conseguir. Uma onda de esperança percorreu-lhe o corpo, conseguindo mesmo formar um sorriso.
De repente ouviu um disparar de uma arma. Sentiu uma dor latejante no ombro direito. O impacto da bala fez com que caísse para a frente. Tentou desesperadamente ignorar a dor e prosseguir. Mas era impossível. Estava demasiado cansada. Deixou-se ficar caída no chão, agarrando-se ao ombro ferido. Começou a ficar com os olhos pesados. Os gritos e ruídos foram-se tornando cada vez mais distantes. Já não havia nada a fazer. Ia morrer. No entanto a morte não era assim tão má. Era algo macio e quente. Lily sentiu-se como aconchegada numa cama extremamente confortável. "Devo ter vindo para o céu." Pensou. "Isto deve ser o paraíso. Os pássaros cantam! Ah! Se ouvir com atenção percebo que chamam o meu nome!""Lily! Lily!" James abanava Lily com veemência. "Lily, acorda!"
Lily abriu os olhos. Não estava morta. O conforto que sentira não era de uma bela cama de dóssel mas sim de um amontoado de cobertores. No entanto sentiu-se a esboçar um sorriso. Não estava morta.
"O que aconteceu?" Perguntou ao levantar-se. No entanto parou de imediato. Sentiu uma pontada aguda no ombro direito.
"Descansa." Ordenou James. " É a última vez que sais sozinha. Ouviste?"
Lily olhou para o irmão que apresentava um olhar preocupado.
"Eu estou bem, não estou?" Fez nova tentativa de se sentar, desta vez bem sucedida. "E tenho algo para vos contar. Por isso não foi um risco desnecessário." Levantou-se de vez. "Chama toda a gente. Tenho novidades."
James revirou os olhos. Sabia muito bem que não valia a pena contrariar a irmã. Obedecendo ao que ela pediu, reuniu os principais chefes da resistência na Sala Principal do Abrigo.
"Eles estão a planear um ataque. Ouvi com toda a clareza!" Lily falava para uma audiência de apenas dez pessoas. Era tudo o que restava da resistência. No ano de 2451, quando Samuels tomara poder do governo dos Estados Unidos, um grupo de vinte mil pessoas juntara-se para a derrubar. No entanto, cinco anos depois poucos restavam. Com o inicio da guerra em 2453, a maior parte fugiu ou morreu.
"Um ataque?" Louis repetiu. "Um ataque! Sinceramente, isto está a tornar-se cada vez mais absurdo! Eles já têm tudo! Têm-nos na mão! Controlam tudo! Aliás, eu já nem sei que guerra é esta! Samuels contra Samuels, só se for!" Os ânimos levantaram quando todos começaram a concordar com Louis. Ele tinha razão. Samuels conseguira ter o mundo a seus pés. Conseguira destruir por completo a resistência. No entanto não cessara de arruinar a vida a tudo e a todos, planeando bombardeamentos e fuzilamentos constantes.
"Eu não disse que iam gostar das novidades!" Lily levantou a voz para ser ouvida. Todos se calaram. "Estou tão farta disto como todos vocês!" Começou a andar de um lado para o outro. Se estava farta! Com apenas 17 anos, mal se lembrava da vida sem ser desta maneira. Era obrigada a lutar e a esconder-se. Nunca tivera uma infância normal. Todos estes sentimentos começavam a surgir à flor da pele. Lily começou a chorar. "Eu não sei o que podemos fazer!" Disse com tom de desespero. "Eles planeiam em lançar uma bomba bem no centro de Paris! Nós também seremos atingidos e não há nada que possamos fazer à cerca disso sem ser fugir. É isso. Temos de fugir. Para bem longe!"
"Pois eu acho que mais valia ficarmos. " Disse Liam. " A morte nem me parece uma coisa assim tão má."
Lily olhou Liam nos olhos. Ele tinha razão. A morte não era uma coisa assim tão má, comparada com tudo o que se passava.