"Tema 1: Pegue seu nome, escreva-o ao contrário e dê a ele um motivo para existir."
Era um novo dia e Raquel lavava o rosto quando alguém lhe entregou uma toalha. Viu o rosto sorridente de sua irmã gêmea idêntica e com um olhar cândido aceitou de bom grado a oferta. Porém, ao passar a toalha em seu rosto pôde sentir que algo estava lhe impregnando e em seus lábios pôde sentir o gosto de ferrugem... Sangue! A toalha estava banhada em sangue.
Raquel se voltou assustada para fitar a irmã que havia mudado a expressão. Outrora suas feições angelicais foram substituídas por uma maléfica enquanto fitava a irmã de volta e começou a rir não emitindo qualquer som enquanto Raquel gritava de horror.
***
Em uma noite de lua cheia nasceram duas meninas, uma chorava a plenos pulmões e a outra não. As duas tinham cabelos negros e a pele muito clara. A boca era muito rosada e os olhos eram os únicos que a diferenciavam. Enquanto uma tinha olhos claros, cor de mel, a outra tinha olhos negros profundos.
Raquel, o nome de uma delas, logo começou a falar, porém a irmã nada. A primeira palavra que a pequena menina pronunciou foi "Ail", os pais não entenderam, mas achavam graça. Raquel falava e apontava para a irmã, mas ninguém parecia entender que ela estava chamando por ela e riam. A irmã, porém, nada falava.
Tempos depois Raquel começou a perceber a visão dobre de Ail. Era a festa de seus 6 anos de idade e a garota dos olhos negros profundos, que não falava, aproveitou que a festa estava sendo no jardim da casa para pegar fósforos na cozinha e botar fogo no gato de estimação de sua mãe. Raquel viu a tudo de modo espantado e Ail, a percebendo, apenas sorriu para ela lhe entregando a caixa dos fósforos.
A garota correu para avisar a mãe que, por sua vez, levou um choque, enquanto o pai a colocou de castigo. Ela tentou se defender, mas eles não acreditaram. Tudo isso só por que a irmã era especial?
E assim foi sendo... Ail aprontava e Raquel ficava como a culpada. Assim foi quando Ail quebrou todas as xícaras de casa, somente porque ela não gostava de tomar leite, quando ela cortou o cabelo do pai enquanto ele dormia, pois não gostava do quão grande ele estava. Também quando Ail colou o cabelo da tia que as visitava na fronha do travesseiro, ao dormir, e prendera barbantes nos últimos degraus da escada, fazendo a mãe tropeçar e torcer o tornozelo...
Raquel tentava se defender, mas de nada adiantava... Enquanto Ail aprontava e saía de tudo ilesa, ela era severamente punida.
Em uma noite ela despertou ouvindo gritos e correu para ver o que acontecia. Nisso ela já contava com 14 anos de idade. Ao chegar no quarto dos pais, ela se espantou ao ver que uma de suas bonecas fora pintada com um batom que lhe decorava a face com um sorriso que ia de orelha a orelha, e tinha os olhos borrados de preto. Ela estava colocada na escrivaninha que ficava de frente para a cama dos pais e parecia estar fitando-os de modo aterrorizante.
Raquel recebeu a culpa de Ail novamente. Aquilo era muito injusto!
Os pais decidiram interna-la em um hospital psiquiátrico, enquanto a verdadeira culpada estava tranquila em casa. Raquel começou a pensar que era exatamente isso que a irmã queria. Tirá-la do lar para que pudesse ficar com todas as suas coisas...
Após algum tempo decidiram liberar Raquel do hospital. Nada encontraram de anormal nela e isso a garota dos olhos claros poderia compreender muito bem. Era o que ela sempre falava, mas não a levavam em consideração.
O pai estava estranho enquanto a levava para casa. Não estava muito afim de papo e, ao perguntar pela mãe espantou-se pelo que acontecia.
A mãe vivia tendo pesadelos desde sua ida. Parecia estar pressentindo que algo ruim pudesse acontecer.
Raquel sentiu o coração se apertar e começou a sentir medo. Toda vez que ouvia a mãe gritar em meio ao breu, as sensações ruins lhe vinham e quando olhava para Ail, que dormia serenamente, podia ver o mal nela.
Pois foi em uma outra noite de lua cheia que os gritos de sua mãe foram muito mais atemorizantes, mas o pior ainda foi ouvi-los cessar. Raquel correu ao quarto e viu que Ail segurava uma faca banhada em sangue. Ela havia matado sua mãe perfurando e retirando seus olhos que jorravam sangue negro em meio ao buraco que ali ficara e rasgando sua boca de orelha a orelha, como uma vez fez com a boneca e o pai estava em choque.
- O que você fez? – Gritou ele ao ver Raquel.
Raquel olhou para a irmã assustada e voltou a olhar o pai. Ele estava olhando para ela, Raquel, e não para a irmã que sorria e exibia a faca.
- Por que você fez isso? – Voltou a gritar em meio a um choro fino. – Você é um monstro!
- Mas papai não fui eu! Foi Ail – gritava em desespero. – Sempre foi minha irmã!
- Não Raquel! De novo não... – bufou o pai, se erguendo da cama e se aproximando dela. – Sua irmã se chamava Lia, mas ela morreu minutos após o nascimento, entenda isso!
O pai de Raquel a sacudia enquanto falava e a garota dos olhos claros percebeu que a faca que Ail usara estava em suas mãos. Tremulante e amedrontada, ela partiu para cima do pai enfurecida.
***
Tempos depois no hospital psiquiátrico...
- O que há com aquela garota? – Perguntou uma enfermeira.
- Não sei... Ela fica o dia inteiro daquele jeito. Sentada no balanço do jardim com um espelho e falando como se fosse com outra pessoa.
As duas se aproximaram e decidiram papear:
- Olá Raquel... – disse uma delas sorrindo afavelmente. – Com quem você está conversando?
Raquel olhou serenamente para elas e, com um sorriso terno lhes respondeu:
- Com a minha irmã Ail... Ela nasceu muda e parece que somente eu consigo me comunicar com ela.
- Ah – sorriu a outra enfermeira tentando entrar na história dela. – E o que ela está te dizendo?
Raquel mudou a expressão, ficou sombria e fitando o espelho lhes respondeu quase murmurando, mas de modo firme:
- Para terem cuidado. Está chegando outra noite de lua cheia...
As duas enfermeiras se entreolharam e se assustaram. Afastaram-se de Raquel e deveriam ter seguido o instinto de terem se demitido naquele mesmo instante, pois o que aconteceria naquela noite de lua cheia seria pior do que a morte dos pais delas... Dos pais de Raquel e Lia, ou melhor, Ail.
FIM
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QUIMERA #ContosLP
Short StoryContos baseados na competição #CopaDosContosWattPad promovida pelo @ContosLP. OBS: Histórias criadas unicamente para esse conto, não havendo referências externas...