Prólogo

66 4 10
                                    

O dia amanheceu nublado, como de costume. A pequena cidade, estava absurdamente quieta. Pessoas vazias vagavam para lá e para cá, sem rumo, apenas iam seguindo com suas vidas monótonas no piloto automático.
Levantei-me da cama, novamente com o peso do mundo em minhas costas. Hoje é segunda-feira, dia que começa tudo novamente. Olhares estranhos, consulta com a Dr. Foster, problemas aqui em casa, e tudo que já se tornou uma torturosa rotina.
Caminhei até o banheiro e abri o chuveiro, tomei uma ducha fria, e parei para reparar nas cicatrizes de meus braços. Por que eu não acabava de uma vez com aquilo?
Saí do banheiro e fui me trocar para ir ao colégio.
Como de costume, vesti o máximo de roupas possíveis para suportar o frio intenso lá fora. Desci as escadas rapidamente, agradeci aos céus quando percebi que Billy não estava presente. Ele é o meu pai biológico, perdi minha mãe quando era muito nova, e desde então ele virou alcoólatra e me machuca fisicamente frequentemente. Você deve estar se perguntando o porque de eu não ter o denunciado até hoje, os motivos são simples, além de tudo ele é meu pai e é a única pessoa que tenho no mundo.
Atravessei a rua e entrei no restaurante do Peter, fui ao balcão e pedi um chocolate quente. Em seguida, fui a uma mesa, onde fiquei observando as pessoas que ali estavam. Tudo ridiculamente monótono.
Assim que terminei o chocolate quente, segui o caminho até o colégio. Quando passei pelo portão, como de costume, vários olhares caíram sobre mim. Já me acostumei com tudo isso.
O primeiro horário era a consulta com a Dr.Foster.Ela é minha psiquiatra desde os 14 anos, ou seja, já fazem 3 anos que confio minha vida a ela. E não, não é exagero. Ela é a única pessoa com quem consigo dizer o que se passa em minha vida, o resto do mundo só se preocupa em julgar e apontar o dedo para a garota estranha.Cheguei ao consultório, e a enfermeira Jane já foi logo avisando a Dr. de minha presença.
Gotas escorriam pelas janelas, uma chuva forte estava a cair.
Cerca de 20 minutos depois, ouvi a voz calma e maternal da Doutora chamar-me de dentro do consultório. Levantei, e caminhei até lá.

- Feche a porta por obséquio. - pediu a Doutora.

Assenti, e fechei a porta.
Caminhei até a cadeira que ficava de frente a ela, e me sentei.

- Boa tarde Eleanor! Como foi o seu final de semana?

- Monótono. - respondi.

Ela assentiu.

- E o seu pai?

- Como sempre.

- Agressões físicas ou somente verbais?

- Físicas.

- Você tem que denuncia-lo, minha querida.

- Não posso.

- Só pensa nessa possibilidade, tá?

Assenti.

- E os colegas de classe?

- Nenhum.

- Auto mutilação?

- Frequente.

- Anda tomando os remédios?

Assenti.

- Como sua psiquiatra, recomendo que pratique algum esporte ou que mantenha a mente em coisas boas. Que tal aprender um instrumento? Ou entrar em terapias em grupo?
Quem sabe até escrever?

- Não quero. Estou bem assim.

-Você não está bem, Eleanor. Você precisa de conhecer pessoas, viajar, espairecer.

- Não quero.

- Prometa-me então que vai ao menos continuar a ler.

Meus livros eram minha salvação. Eles me davam a sensação de ser normal outra vez. Eu diria que eles chegavam perto de fazer com que qualquer sentimento aparecesse no meu coração. Mas só chegavam.

- Eu prometo.

Ela sorriu.

- Está liberada.

Assenti e saí do consultório. Assisti todos as aulas, bom, pelo menos estava lá presente fisicamente. Desde o diagnóstico de depressão, nunca mais estive presente psicologicamente.
Antes eu era uma criança feliz, brincava no quintal todos os dias, sorria diariamente, e enxergava tudo colorido. Agora? Agora meu mundo é preto e branco.
Cheguei em casa e fui até ao meu quarto. Assim que entrei, algo tapou-me a boca e fiquei completamente dopada. Era o meu pai.
Ele abusou de mim sexualmente, e eu fiquei consciente o tempo todo, sem conseguir me mexer.
Eu tive nojo dele. Nojo. Como um pai é capaz de fazer isso com a própria filha?

Isso foi a gota d'agua.

Assim que ele foi embora, e o efeito do remédio acabou, fui ao banheiro e resolvi acabar logo com isso. Peguei minha faca, e fiz um corte na vertical no pulso direito.

Imediatamente, tudo escureceu.

VitaeOnde histórias criam vida. Descubra agora